No mundo atual, somos ilhas, mas ilhas que não se comunicam efetivamente com outras ilhas. Há um mar, extenso e profundo, entre uma ilha e outra. Em tempos de vida virtual e redes sociais, apenas fingimos que nos comunicamos, quando na verdade estamos gritando sozinhos, com gritos que não alcançam outros ouvidos e não formam outros gritos.
No meio literário, a percepção de isolamento é real, seja por opção do próprio escritor, por ingenuidade (o mito do escritor que apenas escreve e recebe os louros por sua genialidade), ou por ele não fazer (ou não querer fazer) parte de certas panelinhas vigentes (hoje, em especial, da cultura woke, apropriação capitalista de pautas progressistas). Esse isolamento, essa realidade criam a necessidade de uma comunidade (de um cooperativismo, de um coletivismo) para que o artista, mais do que ilha, seja um arquipélago em potência.
A Revista O Bule possui um histórico de coletivismo, mais como plataforma de divulgação de centenas de pessoas, escritores e obras, do que como plataforma literária gerida por uma coletividade. Em geral, ela foi sustentada por pouquíssimas pessoas que doaram seu tempo (às vezes seus recursos) a fim de manter um sonho. Mas ninguém vive de sonho. O próprio sonho não vive de si. Ele se desvanece quando acordamos. No mundo das artes, para que um sonho sobreviva, são necessários resultados concretos ou, no mínimo, alguma recompensa abstrata, como visibilidade, admiração, networking, redes de apoio. No entanto, nem sempre isso ocorreu para quem esteve à frente deste projeto, que mais exigia do que oferecia. Ofereceu muito, tendo em vista toda a sua história, não negamos, mas exigiu mais, muito mais. Eis os motivos de a Revista O Bule passar por muitas pausas durante os últimos quinze anos, desde que foi ao ar, em janeiro de 2010.
Como viver de literatura no Brasil? Como viver de cinema no Brasil? Como viver de arte no Brasil? São perguntas para as quais muitas respostas foram dadas, desde sempre, ou para as quais ninguém tem a resposta. Um projeto coletivo deveria ser uma resposta possível, desde que a coletividade de fato se engaje, cada individualidade com suas condições e restrições, na gestão e na divulgação deste projeto. É preciso de engajamento, força de vontade, desprendimento e um pezinho no chão, o que nem todos os artistas possuem, infelizmente. Aliás, não queremos viver de literatura ou cinema no Brasil, mas queremos que nossa literatura, nosso cinema cheguem até o outro lado da ponte, que liga uma ilha à outra. Queremos, como qualquer outro, leitores e espectadores.
Na prática, o cooperativismo é um conceito mais justo do que o coletivismo, conceito hoje em dia démodé, em tempos de exacerbação do eu - em tempos em que cada ser, no meio de oito bilhões de seres, se acha mais importante do que outro ser e, por isso, acha que deve receber mais louros, às vezes até mesmo sem os esforços devidos. O cooperativismo subentende, mais do que o compartilhamento de recursos, conhecimentos, frutos e oportunidades, o compartilhamento dos custos e das responsabilidades. Quem hoje, em tempos de falsas e verdadeiras ocupações, de falsas e verdadeiras demandas, de informação caótica e frenética, está disposto a cooperar com o outro, com a produção artística do outro, com a distribuição da arte do outro?
No entanto, se acreditássemos que a solidariedade entre artistas está sempre revestida de interesse, não proporíamos - como estamos fazendo aqui - a criação de um espaço de cooperação, inspiração e ajuda mútuas: um espaço que acredita na força da união, do coletivo, do reconhecimento da arte como meio para se atingir, positivamente, o outro em sua individualidade e multiplicidade. Do individual para o coletivo; do coletivo para o individual - eis o trajeto que propomos: artista > artistas > leitor/artista.
Se você compreende o propósito de fortalecer a arte através da união e da cooperação, se escreve (sobre) literatura e/ou cinema, se está disposto a passar por um processo de seleção para fazer parte deste movimento, entre em contato conosco! Estamos à procura de colunistas fixos e colaboradores. Por e-mail (coisasprobule@gmail.com), vamos tirar todas as suas dúvidas sobre o projeto. Antes, no entanto, é bom frisar algumas coisas…
A linha editorial da Revista O Bule continua a mesma: a literatura e o cinema, abordados juntos ou separados, com foco - não exclusivo - na produção artística brasileira, tanto a atual quanto a canônica. Priorizamos a diversidade de temas e gêneros (contos, folhetins, artigos de opinião, entrevistas, poemas, resenhas, releases, crônicas, micronarrativas, declamações, vídeos-resenhas, etc.), mas não publicaremos obra artística a partir da análise - sempre complexa - da cor, raça, identidade de gênero, opção política do autor ou autora - ou de quaisquer características adjacentes à obra. Não publicaremos obra artística por sua potência moralista ou ideológica. Não nos ateremos à arte que, por visar determinados temas da moda, se coloca como a única arte possível em um mundo tão caótico e complexo. Nosso compromisso é com a arte que oferece mais perguntas do que respostas, com a literatura e o cinema que incomodam, fazem refletir, impactam, socam o estômago de quem entra em contato com eles.
As lições de moral, deixemos para os convertidos e religiosos, que possuem respostas prontas para todos os mistérios do universo. Eles já ocupam espaços demais, hoje em dia. A Revista O Bule não é púlpito. É apenas uma revista de literatura e cinema.