Por Giselle Delago
Era uma manhã ensolarada e quente. Sentada com seu livro no colo, tentava absorver um pouco da brisa da manhã. Ficou pensando em algumas frases do livro que estava lendo. Era sempre assim, ela memorizava partes dos livros. E depois ficava recitando para si mesma, no silêncio. Ele chegou nessa manhã. Bloqueou um pouco a brisa. Bloqueou um pouco a respiração. Mas estava tão concentrada na função de guardar as palavras do livro, que nem notou sua chegada. Primeiro se apresentou como algo diferente. Ela tentou decifrar. Otimista, pensou que seria algo bom. Continuou observando e tentando construir na sua mente o perfil do recém-chegado. Ele trazia consigo o tempo. E ela no início se assustou. Não sabia muito bem como administrar seu tempo, não queria ter alguém por perto lembrando-a disso. Ela se agitou na cadeira. Depois percebeu que ele era de poucas palavras. E ela gostava de palavras, de construir frases com as palavras alheias. Ficou nervosa, expulsou os pensamentos ruins da cabeça. Tentou olhar mais atenta, ser imparcial, ser racional. Não havia nada de errado ali. Ela não o conhecia. Pegou o tempo que ele trouxe consigo e tentou enxergar as infinitas possibilidades que ele podia entregar. Mergulhou nessa função de entendimento, mas conseguiu focar apenas por alguns minutos. Parou, olhou atenta e sentiu o vazio que ele trazia. Descobriu que era aquilo que a mais incomodava: o vazio. Não sabia como preencher. Não podia colocar som, não podia abraçá-lo. Ficou sentada ao lado dele, ambos observando o vazio. Em silêncio. Sua mente começou a ficar agitada. E quando ela se deu conta, já estava caminhando para dentro do vazio. Era escuro, era frio. O dia ensolarado ficou nublado. Tudo ao seu redor foi perdendo a cor. O tempo foi ficando mais gelatinoso. Ela tentou agarrar, mas escorreu pela sua mão. Viu o tempo cair no chão e ficar imóvel. Olhou para o lado, ele continuava lá. Parecia que a seguia. Não a deixava sozinha. Por um lado, ela sentia uma sensação de segurança, por outro queria que ele fosse embora. Viu uma porta aberta, tentou alcançá-la, queria entrar e deixar ele para fora. Mas ele foi mais rápido e fechou a porta. Ela não conseguia se mover. Não entendia mais o que estava acontecendo. E foi quando ela percebeu que o que a seguia não tinha forma, embora ela conseguisse dar forma para ele. Era algo sem forma. Entendeu que o que a seguia não tinha som, mesmo sendo algo extremamente audível para ela. Ele não vibrava, mas fazia ondas estranhas chegarem até ela. Ela buscou a palavra para descrever aquela sua nova companhia. Silêncio, falou para si mesma... baixinho. E o silêncio fechou portas e abriu buracos nela.
Giselle Delago, paulista, ex-cinéfila. Vive em São Paulo, ama muito essa cidade, mas na primeira oportunidade foge para a praia. Formada em publicidade e propaganda. Gosta muito de escrever, mas joga fora tudo que escreve. Já foi dona de muitos blogs, deletados com a mesma velocidade com que foram criados. Ama descobrir palavras novas. Ótima em fazer piadas sem graça e transformar alguns acontecimentos da sua vida num grande episódio de Friends.