Por Rogers Silva
13 –
No dia seguinte, Geisel, vinte minutos após
acordar, ouviu o trimmmm do telefone. Mas antes desligara o som, escovara os
dentes, lavara o rosto e se preparava para tomar um copo de leite quando:
Trimmmmmmm-trimm- “Alô – atendeu secamente.” “Ooooooi.” “Joia? – mudou a nuança seca da voz.” “Sonhou comigo?”
“Pra ser sincero, não.” “Mas que desleixo. Nem para sonhar comigo –
exclamou meigamente.” “Não que eu não quisesse. Essas coisas não se escolhem.” “Escolhe,
sim. Eu quis sonhar com você e sonhei.” “É? O que sonhou?” “Segredo.”
“Ah, já com segredinhos?” “Claro que não, meu bem.” Meu bem? – pensou ele. “Se
nós nos encontrarmos hoje, eu te falo o que sonhei” “Ah, chantagem?”
“Mas
é uma chantagem boa, não?” “Muito...
– aos poucos se rendia.”
14 –
Chamara Jéssica para vir à sua casa.
Dissera que a buscaria, se preciso fosse, na dela. Ela dissera que não, não
precisava, seu pai a levaria. Geisel, por um momento, ficara ansioso. Até se
arrependera de tê-la chamado. Poderiam ter combinado de irem a outro lugar: num
restaurante, num bar, até mesmo no shopping novamente. Que fosse! Mas aqui,
nessa casa desarrumada e pequena?... Ela já deve estar a caminho... Agora, ele
tentava pôr as coisas em ordem: colocava livros, mapas e atlas na pequena
estante do quarto; guardava as roupas espalhadas por toda parte; punha CDs e
fitas VHS na estante da sala. Tomara que dê tudo certo. Mas tudo o quê? – se
perguntava. Por que estou ansioso? Até parece que... – não completou. Enquanto
passava parte da manhã de domingo organizando a bagunça, lá no vizinho
ouviam-se pessoas discutindo sob um som de um pagode. Quarenta minutos após ter
desligado o telefone, ouviu um bater de palmas em frente à sua casa. Foi
atender. “Oi – ouviu, depois de abrir a porta e dar de frente a um portão baixo
e pequeno, estragado e branco.” “Você?” “Qual o motivo do estranhamento?” “Não,
nada – já abrindo o cadeado dourado que prendia o portão.” Ao lado, um portão
maior, por onde passava seu carro. Eram onze horas quando a moça chegou.
Ficaram até cinco horas da tarde conversando, ora assistindo à televisão.
Quando Geisel e Andressa (sua melhor amiga) se encontravam, esqueciam-se do
tempo. Mas a moça percebia, às vezes, a desatenção do rapaz e perguntava se
estava acontecendo alguma coisa. “Não, nada não. Tava matutando aqui...” Almoçaram, lancharam,
ouviram música e riram juntos. Mas a distração dele deixava Andressa
encucada: o que será que tá acontecendo?
15 –
Segunda-feira. Numa loja de roupas
caras, no shopping, onde trabalhava, Geisel pensava na razão de Jéssica não ter
ido à sua casa no dia anterior, conforme combinaram. Por que será? Teria
acontecido alguma coisa? Pensara, na noite passada, após Andressa ir embora, em
ligar para Jéssica, mas... Se ela disse que viria, não veio porque não quis –
deduzia. E não telefonara. No entanto, hoje, segunda-feira, novamente mudara de
opinião: Quando chegar em casa eu ligo. Mas não teve tempo. Chegou às seis e
dez, tomou banho, se arrumou e foi para a UFU, universidade onde estudava. Já
dentro da sala de aula, perguntou à Marina sobre Jéssica. Mas nada que aquela disse
o animou. Marina, os dentes não muito brancos, foi bem seca e desinteressada ao
falar sobre a outra. “Você conversou com ela ontem?” “De manhã.” “Ela te disse
alguma coisa?” “Sobre o quê?” “Nada não, deixa pra lá... – optou em não
aprofundar no assunto.” Depois de estudar, ouvir as explicações dos
professores, conversar com os colegas, desatento, Geisel foi embora antes mesmo
do término da aula. À noite, após completar um trabalho de Psicologia da Educação, foi dormir. E
dormiu.
16 –
Passou toda a semana enrolado com
trabalhos, seminários, provas, emprego: enfim, muitas responsabilidades e
nenhum prazer. No sábado à noite, depois de muito se questionar se deveria ou
não ligar para Jéssica, foi ao telefone, se sentou numa cadeira, pensou por uns
quinze segundos e não ligou. Antes de sair da cadeira, por coincidência o
telefone tocou. “Geisel? – ouviu do outro lado da linha.” “Joia?” Era
Marina. “Tudo bem. Deixa eu te falar. A Jéssica me ligou de Patos de Minas,
parece que ela foi pra lá no domingo passado e parece que a vó dela tá doente e
ela teve que ir pra lá. Ela me ligou e pediu pra eu te avisar. Não me explicou
o porquê, só pediu. Parece que ela
tentou te ligar umas três vezes, mas não conseguiu falar com você.” Aliviou-se
um pouco. Mesmo Marina aproveitando a ligação e o convidando para sair no dia
seguinte e, com isso, ter chances de se divertir, começou a surgir um estranho
sentimento em seu interior: saudade, se fosse, de quê? De quem? Geisel não
aceitava a verdade. Mentiu que trabalharia: “Você sabe como é trabalhar em
shopping, né? Deixa pra outro dia – completou.”
17 –
Na segunda-feira, decidiu deixar se
envolver, algo contra o qual vinha lutando. Os pensamentos em Jéssica.
Perguntava, principalmente à Marina, sobre a outra: vida, gostos, família e,
indiretamente, sobre suas chances. Pela primeira vez se preocupava em ter
chances. Até então nunca se preocupara. Acreditava que sempre as tinha. Marina,
cabelos curtos e lisos, sempre o mesmo sorriso sem vida, constrangido, não o
empolgava muito com suas declarações. Geisel deduzia que ela estava com inveja.
Agora, o pensamento um pouco diferente do primeiro encontro no shopping, o
rapaz dava vazão a ideias e sentimentos que antes o inquietavam. Sentia-se
ansioso. Medroso. E ele, apesar do medo que o perturbava, gostava. Sentia-se
novamente vivo. Meu Deus, era isso o que me faltava? Me faltava Jéssica...
* Publicado originalmente no livro Manicômio (2012).
** Continua no dia 04 de maio.