16 de fev. de 2021

O melhor céu da sua memória

Por Adrianna Alberti

Interior

Bois e vacas pontilhavam, dividindo a paisagem com cupinzeiros altos e marrons. Quando as árvores da margem começaram a surgir, cedendo uma sombra gostosa, entrou na estradinha de terra, daquelas empoeiradas, cheia de buracos. Tudo trepidava. O GPS já não funcionava. Ficaram apenas na indicação do tio: reto toda vida, depois do bar do Zé, terceira chacrinha, com o flamboyant na entrada. A casa era só quartão e banheiro, a varanda de cimento batido. Depois do barranco o rio turvo e os bancos de areia. Cheirou o mato e observou a imensa teia de aranha entre as árvores frutíferas. Se controlou para não gritar com o sapo-boi no banheiro de noite.

  

O quintal do inferno

O primeiro mês foi sofrimento. Noites quentes, o ar morno e seco, a roupa sempre molhada, cheia de suor nojento. Sofreu com um ventiladorzinho barato e fraco, aprendeu a molhar a toalha para umidificar, mas depois se tornou uma cobertura encharcada para tentar amenizar os mais de 38 graus. Achou que não poderia piorar. Até visitar a cidade mais ao norte. Lá onde se nada no ar de tão úmido. A sombra bem-vinda era o espaço perfeito para as gotas de transpiração escorrerem pelas costas, calças poderiam ser descartadas – era uma questão de necessidade. No rio não se via a margem do outro lado. O povo do sotaque diferente, sorridente, mas quem poderia ser feliz em um lugar onde faz 45 graus na sombra?

  

Um céu de desejos

A casinha era de madeira, onde se poderia ver vãos entre um cômodo e outro, pequena, colorida, tábuas rosas em um quarto, marrom dourado na cozinha. O quintal era terra batida, poeira, arbustos e ervas. O cheiro do pão a acordou, surpresa, esquecida naquele quinhão sul-mato-grossense. Durante o dia, toras e madeiras velhas foram unidas na frente da varanda da entrada. O vinho sangue-de-boi barato, ralo, inesquecível. Os bancos eram duros, sem encosto, perfeitos. O fogo estalava, de hora em hora alguém o cutucava para não apagar. Acima um azul-escuro pontilhado de estrelas. Vez e outra uma estrela cadente se fazia presente. Faz um pedido, alguém dizia. Não houve melhor céu em sua memória.