Fazer
Faço
algo que não sei o que é
que não cobiço e nem careço
Porém, mesmo assim faço
e fadigo
Ao fim do dia assisto tv
estirado no sofá
e rumino o meu inútil fazer
Pelos cotovelos
falo dos nós que desato
enquanto almejo a noite
que ateia seu torpor sobre mim
O silêncio se cala
O meu corpo se abandona
Os meus fantasmas me açoitam
O meu sono me acode
E o dia amanhece
Para que eu possa novamente
o meu fútil
fazer.
Ocaso
O caso é o seguinte:
o caos não chegou por
acaso.
A vida
As janelas fechadas
As portas abertas
Posso ir e vir
Porém
Sonhar eu não posso.
É assim.
A triste história de um poema
Era um poema
que como eu
amava a rima
e o José Bronteu
Era um poema
que como a navalha
cortava sem sangrar
a carne do canalha
Mas era um poema
proclamando desgraça
Dormiu e acordou
no banco da praça
E esse poema
tão ferino e roto
pagou seu delito
lançado ao esgoto
Rotina
A
gente se acostuma
contudo
não deveria.
Arcano
Mergulho nas águas profundas e turvas sem me
molhar
Submerso em meus temores e pesadelos, não expiro o
ar de meus pulmões prestes a explodir
Não há peixes, cavalos marinhos ou algas
Não há carcaças de navios piratas naufragados
Não há sequer tubarões famintos ou polvos abobalhados
Há apenas trevas teimando em ser cada vez mais trevas
O sol e o céu azul, a lua e as estrelas
os sons, as vozes, as canções – Onde estão?
Sou carreado por correntes marinhas que, por sua
vez,
não me levam a lugar algum, embora me arrastem
Tento me recordar do que deixei alhures, mas tudo
se esvaiu como a fumaça de meu último cigarro
e o gole de minha derradeira aguardente. Não amei
mulher alguma a ponto de sentir saudade, apenas tesão
Minha tentativa de pronunciar algo nesse momento
solene se torna
borbulhas de ar, o que é muito mais do que as anteriores, cujas
palavras se perdiam no vazio, invisíveis, inaudíveis, ininteligíveis
As vozes que já ouvi tentam em vão me dizer algo,
mas nada
remanesceu de tudo o que escutei e tampouco de tudo o que falei
Devo estar chorando, mas como saber, submerso e impermeável?
Indefeso e indeciso, rompo em braçadas e pernadas
rumo a
um lugar que cintila ante meu olhar de louco, ou de peixe
morto... e meus pulmões prestes a explodir.
Edson Braz nasceu em Juiz de Fora-MG, em 22/10/1957. Cursou, sem concluir, Letras e Psicologia. Publicou trabalhos em jornais alternativos e antologias, destacando Banco de Talentos-2001 (FEBRABAN) e Poesia em Movimento-2002 (FUNALFA). Publicou Poema(s) em vão (Ed. Scortecci, 1989), o livro de contos O tombo e outros acidentes (Editora Penalux, 2013) e o romance Queda livre (Big Time Editora, 2016). Tinha um romance e uma coletânea de textos em fase de conclusão, além de poesias “engavetadas”, como se dizia noutros tempos, projetos que pretendia concluir até o próximo lockdown. Faleceu no dia 13/12/2020 por Covid-19.