Por Adrianna Alberti
Alguns legados se escondem na memória dos figurantes, não dos personagens principais, dos vocalistas das bandas de rock ou nas pessoas que cumprimentavam todo mundo, porque realmente os conhecia. Alguns moram na memória desbotada de quem ia em pequenos bandos naqueles shows da concha acústica do parque, de quem se sentava distante porque estava sempre atrasado. Ali, entre as rodas de amigos e a companhia solitária do irmão mais novo, guardam-se recordações melodiosas, vozes que ecoam músicas esquecidas e se desfazem, em uma quarta-feira de chuva torrencial, em um papel em branco e olhos saudosos, enquanto a vida adulta toma das rédeas da vida antes despreocupada.
Um lugar qualquer
Existe essa memória de um lugar estranho, onde o cheiro de cigarro está impregnado em cada canto, o banheiro sempre tem fila, pois, ou há um bêbado vomitando ou duas pessoas se comendo nas portas que mal fecham corretamente. Cabelos compridos oleosos dividem a atenção com botas de salto alto, mesas de sinucas desgastadas e a cumplicidade silenciosa de um lugar para se frequentar. Há a nostalgia do porão escuro, iluminado com três pares de luzes amarelas, da cerveja barata meio gelada, que só tem a opção de beber no gargalo – e que cria secretamente um hábito difícil de mudar. Entre o rock estrangeiro de letras agressivas e o blues sofrido em bom português, há beijos esquecidos pelo álcool, risadas moles e amizades que escondem segredos que ela nunca descobrirá.
A onça e a aroeira
Sendo eu aroeira, quando recebi o convite da onça para bailar, aceitei. Primeiro, porque seus convites são sempre uma aventura, segundo, porque nunca há a possibilidade de arrependimento. Mesmo que male mal tenha ouvido falar do tal lugar, me peguei enfeitada como se fosse para a melhor noite. Timidamente aprendi a me mover no ritmo do vanerão – que certamente nunca mais dancei. Mesmo que o garçom, despretensiosamente, tenha perguntado se preferíamos tirar fotos da cintura para cima, que a bandeira do meu cartão de crédito tenha falhado miseravelmente e que os ouvidos incautos tenham testemunhado palavras indecentes às 2h da manhã em um estacionamento silencioso. Quando uma onça te convida para bailar, você aceita.