27 de dez. de 2020

O livro de um conto só

Por Glênio Cabral

O autor, de índole e origem desconhecida, havia publicado um livro de um conto só. Um conto curto, é verdade, mas extenso em obscuridades. O livro, por razões desconhecidas, foi lido apenas por quatro pessoas.   

O primeiro a lê-lo foi um jovem estudante.

Ele achou o livro jogado numa rua qualquer e, curioso, levou-o pra casa. Dias depois, o infeliz foi encontrado vagando despido pelas ruas, pálido como a neve, olhos fitos no vazio, segurando firmemente o livro numa das mãos.

Foi preciso sedá-lo pra fazê-lo largar o livro.

O segundo a ter acesso ao conto foi um conhecido padeiro da cidade.

Recebeu o livro pelos correios, sem nenhum remetente. Bastou ler as primeiras linhas do conto para, no dia seguinte, começar a produzir pães em formatos, digamos, peculiares.

Havia pães em forma de dragões, de elefantes, de formigas, de serpentes, de humanoides, de discos voadores, de anatomias humanas indecorosas... Havia até pães com o formato da cara do John Lennon e do Raul Seixas.    

O padeiro foi demitido, acusado de obscenidades e promoção de tumulto. Já a padaria, nunca vendeu tanto em toda a sua existência.

O terceiro a ler o conto foi um mágico de circo que, durante um número de mágica, acabou tirando de dentro da cartola, no lugar do coelho, o livro de um conto só.

Assustado, logo após a apresentação dirigiu-se ao camarim e leu o conto de uma só vez.

No dia seguinte, durante outro número de mágica, o mágico fez algo inusitado: proferindo palavras desconhecidas, e depois de esboçar um sorriso, no mínimo, tenebroso, ergueu as mãos e fez todo o circo, com plateia e tudo mais, levitar até às nuvens.

O circo voador, como depois passou a ser chamado, voltou ao chão são e salvo.

Quanto ao mágico... Bem, desse nunca mais se teve notícias. Apenas a sua cartola, com estranhas manchas de várias cores, além de pedaços arrancados, foi encontrada ainda levitando no local.

Então o livro desapareceu por anos. Durante muito tempo, não se teve mais notícias da tal obra literária. Ao menos, até o advento da internet e todas as parafernálias tecnológicas de comunicação dos dias atuais. E foi assim que o livro de um conto só veio à tona mais uma vez, como sempre, saindo do nada. O quarto e último leitor do conto teve acesso ao texto num site de literatura. O site se chama O Bule.

E o leitor, bem, é você que me lê agora.

Boa sorte. Vai precisar.