Por Daniel Lopes Guaccaluz
Fui o único a correr para abraçar meu pai quando ele parou o Fusca em
frente de casa. A mãe continuou na cozinha, coando o café; enquanto nenhuma de
minhas quatro irmãs mais velhas saiu do quarto para cumprimentá-lo ou pedir a
benção. Eu, no entanto, tinha sete anos; de modo que, não importava o que
falassem, meu pai era meu herói. “E aí, molecão!” – disse ao me entregar um
boné original do Santos FC. Ajudei-o com uma das sacolas, enquanto ele
carregava as malas para dentro. Meu pai era o homem mais alegre que já conheci.
Quase aos cinquenta, ainda tinha a mesma energia que eu. Como nosso quintal era
grande, passávamos os dias jogando bola, peteca; ou pegando amora, atemóia,
manga, ameixa no pé. Agora, havia quase um ano que eu não o via. Tempos antes,
o pai tinha conhecido uma mulher no trabalho e se apaixonado, e saído de casa.
Foi um ano ruim, aquele. Eu não sabia o que tinha feito de errado para ele me
abandonar assim. Além disso, as dificuldades financeiras. Não chegamos a passar
fome, minha irmã mais velha já trabalhava e a mãe pegava roupas para passar em
casa. Houve, todavia, noites em que jantamos os abacates colhidos do pé; com
pouco açúcar, inclusive. Só que agora ele estava de volta, meu Pai, e eu estava
disposto a esquecer tudo aquilo; como se não tivesse passado de um sonho ruim.
O resto da família, no entanto. “Oi, Maria.” – ele disse, beijando mamãe no
rosto. Ela permaneceu. Era uma mulher séria; sempre com os cabelos presos num
coque e vestimentas muito sóbrias. Seus únicos prazeres eram ler e tocar, no
piano, os hinos de nossa Igreja. Entregou uma xícara de café. Ele bebeu
devagar. Houve um silêncio denso, como se só os dois existissem no mundo.
Depois, meu pai foi para o quarto ajeitar suas coisas. Eu junto, agarrado. No
fundo, tinha medo de perdê-lo outra vez. Quando estávamos no quarto, no
entanto, o pai me entregou uma caixinha com um relógio lindo dentro. “Por que
você não vai levar pra sua mãe?” Obedeci, mas quando voltei para a cozinha, a
mãe estava descabelada, chorando, soluçando; agarrada à pia como se pudesse ser
levada por um ciclone, caso soltasse. No chão, a xícara quebrada em mais de mil
pedaços. Fiquei ali, na cozinha de casa, com aquela caixinha nas mãos por mais
de trinta anos.
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