Deixei
bem claro que eu cumpria como ninguém meu papel, e o meu papel não era dar
amor, era trepar, amor era coisa comprada, custava caro, era mercadoria
importada e não conhecia quem vendesse por aquelas bandas. Abaixei suas calças
e fiz uma chupeta bem feita. Ele espirrou o jato quente na minha garganta. Fiquei
com aquele líquido pastoso um tempo na traquéia, ele demorou um pouco a descer,
fiquei intrigada, nunca tinha sentido algo tão denso, que se nega a desmanchar.
Confessou que era poeta <então entendi tudo> e por isso trazia a carne putrefata
e o mau cheiro, esperava que eu não me importasse, ele já tinha usado todo tipo
de perfume e nenhum era capaz de disfarçar a carniça. O cheiro também o
incomodava e crescia com os anos, há alguns em nem sequer conseguia sentia nada,
agora quase não consigo dormir com esse odor terrível, tenho insônias
tenebrosas. Os poetas trocam de pele como trocam de roupas, o dia todo eu me
decomponho, está vendo¿ Tem pele descolando por toda parte, poeta é uma espécie
de leproso incurável. Não me importava, já tinha visto de tudo. Depois
continuou como louco acariciando minha pele, apalpando meus peitos, lambendo
minha buceta, enfiando o dedo nas minhas entranhas, seus dedos pareciam uma
pinça feita de desespero, enfiava, chegava a suar a testa com o esforço, como
se tivesse a intenção de arrancar o que eu trazia escondido por dentro, de
lançar minhas trompas aos cachorros. Não tenha medo querida, estou empolgado
porque você é a primeira mulher pura que como. Não pude resistir e soltei outra
gargalhada, dessa vez ainda mais alta, esperei e escutei de volta seu eco, ele
estava de sacanagem comigo, só podia ser. Uma mulher pura, eu¿ Você só pode
estar de brincadeira¿ Você é poeta ou comediante¿ Bem, não sei se há grande
diferença entre os dois... Vou te explicar o que chamo de pureza. Cansei de
foder quem me fode a cara. Tenho levado porrada à toa. A vida inteira tenho
comido apenas as mulheres de alma elevada. Mulheres que declamam Paul Celan,
discutem sobre dialética e sabe o nome de todos os músculos que produzem o
riso. E o que isso me trouxe¿ Nada, absolutamente nada. Percebi que a maioria
das mulheres intelectuais não passam de um boi que acabou de ter as vísceras
retiradas no matadouro. Todas bichos empalhados. Fazer amor com o ser amado traz
à superfície os escorpiões que se escondem nos buracos. Não queria ter dormido
com seres que eu amava, preferível a isso seria dormir aconchegado com meu pior
inimigo, esperando uma faca me atravessar. Só quem te ama pode te levar ao
inferno, pode te fazer andar por lá, pode te fazer encarar o diabo. Não posso
chegar ao gozo com tantas amarguras percorrendo meu pau, minha memória, meu pau
tem memória e eu tenho memória de elefante, sabe¿. Com você é diferente, seu
corpo, seu sexo me é virgem, sua carne é macia, não traz nódulos de outros
tempos, não tem ranhuras nem cicatrizes. Eu posso adormecer no seu colo e não
cair em abismos, em
precipícios. Eu posso oferecer meu pau a sua boca e saber que
ele não será decepado, posso oferecer todos os meus membros e saber que nenhum
será amputado. Enfio minha língua no meio de suas pernas e sei que o líquido
que escorre não será ácido a ponto de me corroer. Sabe, houve um dia em que eu
era esquecimento, mas aos poucos fui perdendo o interesse pelas coisas que me
faziam humano, observava as guelras suspensas da noite, a pele morta dos
répteis... disfarçava meu anseio e passava a mão pelo meu crânio e ela afundava
devido a fissura provocada pela trepanação do tempo, apalpava meu ventre e
sentia a cada dia que o tamanho do meu intestino diminuía consideravelmente e
depois de alguns anos eu não era nada além de um peixe estripado bem na época
da desova, um ser vazio, esquecido à margem lodosa do rio. Senti um pouco de
raiva daquela falação toda, ela me incomodava, uma ejaculação cerebral inútil,
além disso, me fazia lembrar do filho da puta daquele filósofo, não via muita
diferença entre os poetas e os filósofos, os dois não mantinham o pau em pé
quando o cérebro funcionava, os dois misturavam tesão com citações
bibliográficas, tentavam impressionar com a exatidão frouxa das palavras.
Nenhum dos dois entendia que as palavras eram mortas e a língua no sexo valia
mais que um bando de léxico sem sentido.