13 de nov. de 2012

Hannah e suas irmãs, ou reflexões sobre o diagrama do Taiji - Malagueta # 31

Por Daniel Lopes

"Sem-Nome é o princípio do céu e da terra
Com-Nome é a mãe de dez mil coisas
Assim, a constante não-aspiração é contemplar as Maravilhas
E a constante aspiração é contemplar o Orifício
Ambos são distintos em seus nomes mas têm a mesma origem
O comum entre os dois se chama Mistério
O Mistério dos Mistérios é o Portal para todas as Maravilhas"
Lao-Tsé,  Tao Te Ching


Não sou feminista, o feminismo distorcido tem formado muito mais mulheres faludas, hipócritas e bundões que homens femininos, e o mundo precisa de um toque mais feminino. A panela de pressão não suporta mais tanto concreto, e obeliscos, e violência. O feminino concilia, acolhe, aquece, supera obstáculos sem fazer escândalo. “Vai ser gauche é maldição pra homem, mulher é desdobrável, eu sou.” Escreve Adélia Prado em resposta a Drummond. Da mesma maneira, enquanto Heidegger, o pastor alemão, maior filósofo do século XX, adere ao nazismo, numa das maiores cagadas filosóficas de todos os tempos  (talvez só comparada à de Platão quando foi se meter em assuntos de Estado), Hannah Arendt responde com o ser junto e o ser entre os outros do diferente. Tudo o que em Heidegger é indagação, em Hannah é colo, fidelidade aos amigos. Enquanto os homens queriam assassinar o mais rápido possível o monstro Eichmann em Jerusalém, Hannah vai adiante e, onde os outros vêm um bicho, ela só encontra um burocrata estúpido, a banalidade do mal. O problema não é aquele réu nazista em meio aos judeus, o problema é o toque masculino, que vê tudo ao redor como objeto... A materia opaca levada ao paroxismo. Kafka já profetizara, nO Processo. Se construímos matadouros de bichos, qual o problema em se construir matadouros de homens? Morte em escala industrial, produção, produção, produção. Iluminada por Heidegger, Hannah enxerga que é a técnica que banaliza. Os dois juntos formam um só sistema filosófico, ainda que Heidegger, egoísta e inseguro (por mais que sejam inteligentes os homens são sempre infantis, não dá pra amar e ser esperto ao mesmo tempo), jamais tenha lido os livros de sua companheira espiritual. Mulheres são telúricas, envolventes, confidentes do mistério. Homens são solares, orgulhosos, impetuosos. A escultura é masculina; a música, uma mulher. O cientista é macho; a mitologia, uma ninfeta. Onde elas sugerem, eles exibem. Onde eles enterram, elas florescem. Onde eles contam histórias, elas fazem encantamentos. Clarice Lispector, Katherine Mansfield, Virgínia Woolf, Márcia Barbieri mergulham em abismos, em cujas bordas estanco, com medo de olhar. Escrevem palavras úmidas, sensuais, fecundas, seus livros escorrem entre os dedos. Maior erro de Freud, carrasco de Nietzsche, ventre que pariu o Cristo, Iemanjá em cada útero, sabedoria e ponto de convergência de qualquer família. Mona Gadelha cantando Belchior. Guardiãs dos teares e da cultura enquanto tecem a humanidade. Mistério puro. Enigma frágil que nocauteia boxeadores e dá a luz a bolhas de sabão. Sem portas e janelas as paredes são inúteis. Sem a Terra o falo solar seria broxa. Sem a Lua não há colheita. Sem o húmus o baobá não floresce, parceiro, nem o bonsai. É Apolo quem constrói, mas é Dioniso quem dá sentido e a Virgem entoa cantos em aramaico para ninar tanto o Cordeiro quanto o Leão.