Não
compreendo seus ditos, mas acho bonito gente falando floreado. Dando nó no
trapo da língua. O linguajar fica parecendo escultura lá da mão do Carlinhos. Viu
o anjinho que ele fez? Só faltou voar. Política não entendo. Vou atrás dele
como em romaria, desgastando o resto dos ossos. Romaria não é protesto, é
tumulto bonito de se vê. Não tenho filho vivo, a minha mulher morreu de tédio e
monólogo, não quero o mesmo destino, embora ainda sonhe em ir pra junto dela. A
morte sem uma companhia deve ser muito chata, eu não gostaria de falar comigo
eternamente, visitar os lugares em que vivi e não poder ser visto, olhar
plantação de longe e não poder matar as pragas, ver meus companheiros e não
poder tomar uma cachaça. Tristeza não é feita pra gente, é coisa de cachorro
sarnento. Carrapato quando entra na carne apodrece tudo. Cachorro amanhece com
a tripa preta enroscada. Filhote nasce com cordão enrolado no pescoço. Eu vou pulando
enquanto o couro não salta do esqueleto. Uma hora a folia acaba. Deus arranca
nossa fantasia. Quero morte mansa, que venha criança, na ponta dos pés, feito
gato beirando a cama. Quando eu abrir o olho, já amanheceu de noite. Sem
estrela. Breu, saco de pão vazio. Galopes sem vigílias. O que farei de manhã
quando não houver mais para quem contar meus sonhos. Nightmare. Égua da
madrugada. A lembrança do infanticídio me atormenta, pare com isso, tem
desespero que é feito carniça, é preciso enterrar para que nenhum cão encontre.
A saudade quase me matou, não quero ela de novo perto de mim, ela parece foto
3X4 na carteira, não me dê corda, isso é assunto pra outra hora. Um dia, quando
eu estiver próximo da partida, talvez te conte como tudo aconteceu, antes disso
não, ferida que é muito cutucada cria pus, junta mosca, tem corte que necessita
de uma boa sutura. Não insista ou eu acabo perdendo as estribeiras. Foi isso, foi
assim com Gaguinho e aconteceu com a maioria, seguiu sem motivo. As pessoas
esperam algo que as convença, um pouco ao menos. Sem convicção para que toda
essa pintura alucinada, esses pássaros sem pouso? Essa tela povoada de branco? Pobre
não pode ver homem vestido de santo. A vila foi perdendo os pés. A distância
fez o vento apagar o caminho de volta. A canseira gangrenou os passos pra trás,
continuaram seguindo. Tanta parentela do diabo perdida poraí. Eu continuei
aqui. Sem identidade, raiz frouxa, tubérculo humano. O mundo é redondo, não é
o que dizem? Não gasto sola pra depois voltar com o rabo entre as pernas.
Murcho, fruto pendido do pé. Goiaba branca bichada fica preta. Resisti, sou
mulher de muita carcaça. Não me perco nos versos, nas linhas vagas, nas
redondilhas, na margem de folha amassada. Minha palavra é linha reta. Não me
perco nas pernas varicosas de Deus. Homem que fala bonito rimado esconde
maldade na alma. Tenho pra mim que os anjos são mudos, não têm língua, não
sofrem desse mal. Só os mortos foram ficando tagarelas, marcando trilha.
Semente semeada que não dá em
nada. Os pregadores foram deixando rasgos nas roupas
esquecidas. Se acalme, não adianta pressa, aqui não segue sua lógica, continue
sentado na sua cadeira de couro que boi morto não muge. Essa terra tem suas
regras, suas leis, sua cronologia, seu espaço, seu espelho. Homem que não se
retrata aqui se torna solitário, não dá nó em gravata. Aqui
caracol é quadrado e objeto de culto. Já viu moleque matando lesma com sal? É
tão perverso ver o tempo encurtando no corpo do bicho. Você é real? Até duvido
da sua existência-almofadinha-, ela é muito diversa desse buraco. Você olhou as
carcaças que se amontoam lá fora¿ Por que só eu posso enxergar¿ Não queria ter
nascido com tantos olhos vigilantes.