Por
Cláudio B. Carlos
FOI NUM SETEMBRO que decidi que não gostava mais da minha mãe. Das suas mãos
lambuzadas de comer galinha com molho. Do som nojento que ela fazia ao chupar
os ossos e depois os dedos. Das lambidas que ela dava no garfo e depois na
faca, até deixá-los brilhando. Daquele passar de língua ao redor dos lábios
depois da refeição, e daquele mostrar de dentadura postiça frouxa dentro da
boca. Do engasgar com o pavio de mandioca, regurgitando como um cusco, fazendo
o som que os cuscos fazem quando estão engasgados. Se eu tivesse uma namorada
(e nunca a tive), e se ela um dia comesse com a gente, eu acho que me enfiaria
pela fresta que divide ao meio a mesa de armar e ficaria embaixo dela,
escondido sob a toalha sempre xadrez, tamanha a vergonha.
OU ENTÃO:
Avançaria
por cima da mesa, por cima da comida, e com toda a força que conseguisse
arranjar apertaria o pescoço da mãe com as duas mãos até que ela silenciasse de
uma vez por todas.
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Foi
num setembro que decidi que não gostava mais da minha mãe. Dos peidos no quarto
ao lado cada vez que sentava no penico pra mijar, de madrugada. E dos gemidos.
Era sempre uma dor diferente. E ela gostava das dores, das doenças e dos
choros. E a culpa de tudo era sempre minha. Foi quando, por pura solidão, quis
andar pela casa de mãos dadas com ela, e ela me disse que menino não deveria namorar a mãe.
Foi ali. Com medo e com vergonha nunca mais a toquei. Nem me deixei tocar. De
onde ela haveria de ter tirado tais imundícies? Naquela noite abafei o choro
sob o cobertor e acordei resolvido a envelhecer o mais rápido possível para
sair do círculo que se fechava em volta de mim e que me apertava e que me
sufocava… Agora ela está aqui na minha frente. Na minha casa. 95 anos. Só nós
dois. Nenhuma testemunha. Acabei de servir galinha com molho. O prato na frente
dela libera uma leve fumaça que logo se desmancha no ar. Eu não vou comer, nem
conseguiria. Estou sentado bem na frente dela. Tão perto que se esticasse as
pernas, sob a mesa, tocaria seus pés. Não o faço. Estou calmo. Vou assisti-la
comer e se lambuzar até os cotovelos. Vou vê-la chupar as carnes, os ossos, e
depois os dedos. Ela lamberá o garfo, e depois a faca. Manterei a calma e antes
que ela intente o passar de língua ao redor dos lábios e antes que mostre a
dentadura frouxa a sufocarei. Fecharei as mãos ao redor do pescoço dela com toda a força que arranjar em
mim.
Cláudio
B. Carlos (CC) é
poeta da nulidade e filósofo do nada. Nasceu em 22 de janeiro de 1971, em São
Sepé, RS. Tem diversos livros publicados. Coordena o Grupo de Escritores O Bodoque. Vive em Belo
Horizonte, MG. É editor do site Dona Zica tá braba.