Antes
da guerra, era tudo resolvido em clínicas caras para os ricos ou clandestinas
para os pobres. No entanto, hoje voltamos ao misticismo, hoje minha mãe é uma
das pessoas mais importantes do bando. Ela faz papel de parteira e médica,
expulsa os demônios dos corpos. Inventa remédios com as ervas daninhas. A
doença também traz o germe da cura. As pessoas que sobraram da guerra não eram
as mais cultas, por isso a dificuldade em conseguirmos retomar toda a ciência
que foi perdida. Mas sabíamos de uma coisa importante, as coisas nascem,
crescem e morrem. Nossa antiga civilização entrou em declínio e se extinguiu,
tivemos que recomeçar do zero. Logo percebi que para as putas não tinha mudado
muita coisa. Nosso trabalho continuava o mesmo, com a diferença que agora não
tínhamos mais nenhuma proteção contra as doenças do sexo. No entanto, passei
muito tempo sendo comida sem sentir nenhum desconforto. Apenas a herpes
recorrente, mas eu já trazia ela na boca antes do extermínio. Perdi a audição
de um dos ouvidos depois da guerra. O tiro percorreu quilômetros e depois se
aquietou, me esperando em
emboscada. A bala passou sorrateira, atravessou meu crânio e
está perdida no meio ziguezagueante do meu cérebro. Escuto dedos mortos sobre a
madeira porosa, ainda decifro código morse. Ninguém usa isso, eu sei. Não serve
pra nada, quem se importa com as inutilidades que carrego? O supérfluo engana o
sofrimento. As manchas brancas espalhadas no seio do nada. Procuro um objeto
inominável. Ele deve estar escondido nos buracos mais ínfimos. Ele deve
suspeitar que estou à espreita. Ele se esconde nas estrias do útero. Passo a
mão no meio das coxas – procuro um objeto inominável - subo até a virilha, em
volta do prazer os pelos voltaram a crescer, grossos, pretos, sujos,
emaranhados. Alguns homens têm tara por vaginas
peludas. Tenho deixado a minha por conta do tempo. O tamanho dos pelos me
servem de calendário. As mães e as putas sabem de tudo, são onipresentes como o
diabo. Conhecem cada centímetro imundo do homem e ele não as surpreende. Todas
as suas unhas encravadas, os olhos de peixe na sola do pé vigiando os seus passos
mais sórdidos. Eles abrem seus corações e estes fedem como esgoto a céu aberto.
Teria pena de meu inimigo se ele tivesse que partilhar a mesa com um homem.
Tenho pena das esposas que se consideram melhores do que as putas. Tenho pena
do homem que se considera melhor do que o bicho. Nunca cobrei barato pra chupar
um pau. E já fui chupada sem pagar nada. Hoje sou uma das putas mais ricas
desse vilarejo. Sempre cobrei a preço de ouro. Buceta dourada, sou conhecida
assim pelas redondezas e pelo cacoete nas partes baixas. Posso te mostrar
depois. Lá naquele cantinho. Sou discreta, seus superiores não saberão. É só eu
abrir as pernas. Se quiser subo a saia aqui mesmo. A saia foi a melhor invenção
da humanidade. Quer que eu me toque pra você? Você verá, vai se sentir até
pequeno. Já engoli muito homem valente com isso aqui. Você gosta de mulher? Tem
bigode de quem gosta. Se quiser pode me pegar por trás. Já dormi com muito
viado. Ninguém está contente com sua terra, todos querem ser protagonistas, no
entanto, não passam de coadjuvantes. Quantas vezes eu mesma me engasguei com
torrões de terra estrangeira, tive viagens alucinantes com cogumelos de outros
pastos. Também já dormi com muitos geógrafos, eles percorrem cada canto do
corpo calculando escalas. Eu os ajudava com as réguas e os metros, calculava os
tremores que não ocorriam, furtava água dos açudes. Não estou me desviando do
assunto, é que todo discurso é vago e sem fronteira, geografia sinuosa. Nunca
descobri resposta quando fiz pergunta, as coisas foram se colocando no lugar
depois, como um tremor acomodando placas tectônicas, com o vagar que as coisas
costumam ter, com o esquecimento bonito e brutal que vem com os temporais. Com
a podridão das sementes que morrem alagadas depois das chuvas intensas.