Opiniões sinceras de Kyanja Lee (parecerista, preparadora e revisora) sobre Manicômio, de Rogers Silva >>>
"Caro Rogers,
Antes
de mais nada, parabéns! Parabéns pela inventividade, pela capacidade de criar e
entremear tantas narrativas, tendo como principal fio condutor um espelho. São visíveis
em sua escrita e temas as influências de Machado de Assis e Edgar Allan Poe. De
Campos de Carvalho não posso falar muito, pois não li ainda nada dele. Você se
utiliza em seus contos do recurso – em desuso, hoje em dia − de dirigir-se
diretamente ao leitor, tornando-o cúmplice e testemunha dos acontecimentos que
se desenrolam à sua frente. Sem medo de ser démodé,
revela com isso que, quando bem empregado, continua surtindo o efeito desejado.
A
sua primeira narrativa, Uma viagem ruim,
está primorosa! Extremamente bem composta, criativa, original, sob o inusitado ponto
de vista de uma canção que está sendo criada por seu criador depressivo no mesmo
instante em que é lida pelo leitor. Se o seu objetivo é incluí-lo em seu
projeto de contação de histórias, com certeza agradará aos jovens leitores pelo
tema que pega bem na veia: o sentimento de inadequação, tão característico da
adolescência, aliado ao lirismo que é passado para o papel em forma de canção
poética.
Com
Clarissa você reafirma a sua
capacidade de emular com perfeição tanto a fala quanto a visão infantil. Isso é
para poucos autores, com certeza! O seu conto, com enfoque intimista, deixa
entrever que, desde a mais tenra idade, existe a atração, o fascínio pelo sexo
oposto e, por que não dizer, uma sexualidade latente, apenas difusa e confusa.
Eu sentia a respiração da Clarissa, távamo muito perto, o pradão era
pequeno e apertado e tava até meio escuro lá dentro. Eu ia falá alguma coisa
mas ela disse shhhiii e colocou
o dedo na minha boca. Távamo pertinho um do outro e ela foi assim chegano,
chegano e pegou na minha mão. Eu tremi e senti uma coisa assim estranha. Credo.
Aí então ela me deu um beijo na boca assim tão rápido e aí o Felipinho apareceu
e gritou Clarissa e Hugo! Peguei!
A Clarissa correu bem depressa mas eu fiquei paradinho dentro do pradão sentino
aquele gosto estranho além do friozinho. À noite, na cama, eu pensava que
Clarissa era minha namorada e beijava o travesseiro e sentia uma coisa boa mas
estranha. E chorava. Mas não chorava assim de dor ruim. Era bom.
O
Mundo Encantado de Desseres é uma
fascinante viagem pelo mundo de personagens surreais que se desenham na mente do
leitor, conforme este avança na narrativa. É um conto circular em que os
personagens vão se imbricando um na vida do outro, cruzando destinos, com ritmo
e balanço, num universo quase onírico. Imagino que tenha sido intencional você
ter criado um único e longo parágrafo, como que para não dar tempo ao leitor de
se desconectar, mesmo que para pular de uma linha a outra.
A
trilogia Amor Amor: Ruínas, formada
pelos três relatos, mostra um autor sensível às questões amorosas. Em Um voo entre as estrelas e o chão, o
leitor vai entrando gradualmente no relato meio cru, descuidado, pretensamente
sem medir palavras do personagem. Por meio de sua narrativa em primeira pessoa,
onisciente restrito, ficamos sabendo de um grande amor vivido com Josi, a
mulher de sua vida, paixão dividida com outras mulheres, haja vista seu papel
mercantilista na relação com o sexo oposto. E a mágoa da namorada diante da
descoberta de que o namorado não é apenas seu, com consequente atitude cega e
extremada, jogando-se da sacada onde tanto fizeram amor. Um relato maduro, bem
lapidado, de um autor que sabe manipular as palavras e tem consciência de que menos é mais!
Amor-Perfeito e As (im)perfeições de nosso amor são contos carregados de lirismo que
têm em comum serem quase elegias a um outro que amam. Naturalmente não são
contos em que há ação, pois são introjeções ou, antes, declamações de amor
carregadas de prosa poética. Inusitada a imagem de um Lúcifer que aprende a
amar doces de leite, pelo gosto transmitido por Gabriel (estaremos falando de
um Gabriel mineiro?). Enquanto no primeiro conto há uma reafirmação de um amor,
no segundo há, contraditoriamente, uma negação, a recusa e o afastamento de um
amor que não basta a quem é alvo do mesmo.
Uma viagem estática é um conto que registra
a dor de uma mãe que perde seu filho adolescente da maneira mais improvável:
pelo suicídio. Você conduz o leitor como se o convidasse a adentrar na casa e
nos pensamentos de Pérola, a dona de casa que é traída e leva uma vida
insípida, até ser visitada pela tragédia."
(...)
* Em breve, mais opiniões sinceras de Kyanja Lee sobre outros contos.
** O livro Manicômio será publicado em julho de 2012.