Por Ricardo
Novais
Quando Rita
desembarcou na rodoviária do Tietê, logo se viu diante de gigantesco mistério
guardado no coração da cidade grande. Percebeu-se, então, como parte deste
coração tão cosmopolita, mais precisamente num dos portões mais importantes
onde a dona Esperança recebe os forasteiros.
Entre
movimentos céleres e bater violento de pernas pátio afora, Rita observou rostos
desconhecidos tão dela reconhecidos d’algum lugar. Dona Esperança foi logo
chegando e lhe dizendo:
- Que
belezinha! De onde você veio, menina?
- De
Minas...
Rita achou
tudo na cidade uma peça monumental. Ela veio por amor, amor ao noivo que não
foi buscá-la na rodoviária, não deu notícia nenhuma de seu paradeiro e não
soube que ela arrumara emprego numa pensão da Ponte Pequena. Mas dona Esperança
era patroa boa; deu-lhe comida, ofício, roupas afrancesadas e companhia certa
nas noites frias, também nas quentes.
Entretanto,
nem toda felicidade do mundo é completa; Rita sentia muita dor de solidão – não
mais do noivo antigo, mas das antigas montanhas. Numa tarde de folga ela andava
pela Praça da República quando viu um quadro belíssimo, pintado por artista
sensível e bucólico. Era paisagem de montanhas, cobertas por um verde muito
vivo e tocante, uma sobreposta à outra, como encaixadas em cenário de papelão.
Rita comprou a aquarela; sorrindo de alegria, pendurou-a na parede de seu
quarto recordando-se das porteiras de sua terra natal que havia deixado para
trás.
Deitada na
cama a olhar a paisagem das montanhas pendura na parede, ela imaginava tudo que
o real panorama não lhe mostrava. Rita abria a vidraça e tentava ver algo a
encaixar-se entre tantos prédios, nada via além do cinza; então fechava a
janela contra o frio, vento, chuva, insetos, ladrões, fantasmas, enfim, fugia
por instantes da cidade de garras árduas. Ao anoitecer, o acender humano lhe
dava a visão desejada: a paisagem das montanhas, com a linha do horizonte a
tocar o mágico e formoso sol descambando numa luz alaranjada, discreta, bem colocada,
onde tudo é tão vasto que a pequenez não tem fim. “Deveras, quadro belíssimo!
Que artista estupendo!”, dizia ela consigo. “Sinto como se estivesse junto de
mamãe naquela serra...”.
A vida foi
assim passando para Rita; vida estéril, artificial, impessoal. É verdade, amiga
leitora; a moça sofria de tudo – menos falta de amor já que não se pode sofrer
do que não se tem. Nenhum dinheiro trouxe gosto à paisagem que ela enxergava de
sua janela...
Noutro dia
dona Esperança morreu, Rita herdou a janela da patroa. Vitral maior, vista bem
localizada para o Pico do Jaraguá, onde a luz e o ar entram com maior
entusiasmo e esplendor; mas nem isto é bom consolo a quem só consegue ver é o
beco, como diria Manuel Bandeira. Rita dependurou o quadro de paisagem de montanhas
à parede de seu novo quarto; este foi sempre a sua companhia de solidão entre
seus ofícios sutis e inexplicáveis – onde a felicidade não inspira nenhuma
confiança.