12 de abr. de 2012

O poeta de bronze, a TV e os óculos

Por Wilson Gonçalves                                                            

Vestiram o poeta de bronze. Poeta com coração de bronze? Colocaram-no sentado em um banco, no calçadão, de costas para o mar. Talvez tivessem medo de que ele ao olhar a natureza  escrevesse mais uma poesia, um conto, um romance. Prenderam nele seus óculos.

Ali, de pernas cruzadas, sem poder olhar o mar, ele está preso e à disposição daqueles que aparecem para tirar uma foto ou até conversar, sentados ao seu lado. A todos ele ouve. A tudo ele vê. Poeta não reclama, tem na alma a capacidade de transformar a angústia em flor.

Mas um ladrão rouba-lhe os óculos. Talvez para que ele não pudesse ver mais nada e não escrever mais nada. Engano. Poeta enxerga com os olhos da alma, todo mundo sabe disso. Recolocaram novos óculos, agora parafusados. Não adianta. São roubados.  Colocaram outro com solda. Não resistem ao gatuno. E o poeta a tudo assiste. Bronzeado, sentado no calçadão e de costas para o mar. Criaram uma solução: colocar câmeras 24 horas para vigiar o poeta. Ele não poderá fazer mais nada que não seja registrado pelas câmeras de TV. Perdeu aquilo que qualquer poeta mais cultiva: a solidão.

Agora uma multidão o espia. Está no Big Brother. Não poderá escrever aqueles poemas eróticos que só poderão ser abertos após a sua morte. Pode pensar em sua Itabira e da foto na parede. É só uma lembrança que dói. Lembrar-se que no caminho tinha uma pedra, e que havia uma pedra no caminho. Quer levantar-se, se perder no calçadão, ir para a repartição e não pode. Sua filha é um sonho que ele teima em sonhar. Chora um choro de bronze. Seu coração é de bronze. A TV não grava o choro dos poetas de bronze

Drummond está de óculos. Só. Olhando para o chão. E agora, José? José, para onde? 

Wilson Gonçalves, nascido em Duque de Caxias, RJ. Sou Jornalista (Unisuam), advogado (Cândido Mendes) e professor (Uerj).