13 de abr. de 2012

O artista e o crítico - Malagueta # 26


Por Márcia Barbieri

Esses dias, contemplando o oceano, me perdi na visão do mar masturbando e abrindo fendas na pele da rocha. Comecei a refletir sobre a arte e consequentemente sobre o papel da crítica. Às vezes, a crítica é uma geografia sinuosa, quase obscena, eu diria, uma cartografia de incoerências, clichês e lugares comuns.
Por mais que eu tente flanar, me distraio com meus pensamentos, não consigo me distanciar da estética, ela povoa, arrebata. A beleza é traiçoeira, quando percebemos, já estamos submersos, encantados com os olhos dos peixes coloridos e sem pálpebras: Por isso o intelecto persevera sempre no finito, no unilateral, na não-verdade. O belo, contrariamente, é por si mesmo infinito e livre. [1]
Seguindo essa trilha, acredito que enquanto a arte segue o caminho de uma existência sem amarras, livre e infinita, uma constelação sem forma, a crítica percorre um caminho intelectual, finito, que não pode se comparar com a plenitude ou a grandeza da obra. A inteligência não é suficiente para compreender o belo, embora o tempo todo seja sugerido que o intelecto fale mais alto do que a sensibilidade, que o objeto concreto fale mais alto que o objeto abstrato.
Julien Gracq, embora tenha escrito Littérature à l’estomac em 1950 mostra uma imagem atual sobre a obra e a crítica literária. O autor considerava ridículas as premiações e os jogos literários, pois ele percebia a criação de um evento peculiar no cenário literário. Ele afirmou que houve um tempo em que as obras eram escritas e os leitores se formavam para aquela obra em especial, partindo do pressuposto que para cada autor existe um leitor ideal à espera. No entanto, ocorreu uma inversão, alguns autores, para se encaixarem no que a crítica e o mercado editorial consideravam bom ou vendável para um público rico e de gosto duvidoso, escreviam a obra, não havia dessa forma verdade ou uma preocupação genuína com a arte, apenas era necessário alimentar o monstro, nasceu assim uma literatura empacotada, pronta para o consumo.
Tal cenário, embora tenha se passado sessenta anos, não é muito diferente do atual. Assim como a crítica pode servir como um escafandrista e trazer à tona obras geniais, ela pode ser análoga a um barco naufragado e deixar artistas completamente submersos. Um exemplo clássico de um artista engolido pelo sistema é Van Gogh, utilizando a denominação de Artaud, um suicidado pela sociedade: E não se suicidou em um ataque de loucura, pela angústia de não chegar a encontrá-lo, ao contrário, acabara de encontrar-se, de descobrir que era quem realmente era, quando a consciência geral da sociedade, para castigá-lo por haver se apartado dela, o suicidou. [2]
E quantos mais não foram estripados e degolados com o auxílio de uma crítica parcial e interesseira? Uma crítica que está a favor de um mercado editorial ou que se enclausura em jornais e faz pequenas resenhas elogiosas de livros convenientes? A arte necessita de um diálogo sincero: A arte vive de discussão, experimentação (...)e presume-se que os tempos em que ninguém tem nada de especial a dizer(...) em que ninguém oferece motivos para o que pratica, embora possam ser tempos honrados, não sejam tempos de evolução...”[3]
Não é um bom tempo para os artistas, estamos todos à deriva. Alucinada vejo um caranguejo ermitão andando no meu corpo. Como eles se assemelham aos artistas! Onde será que está nosso exoesqueleto? Também somos feitos dessa carne mole, porosa, constantemente à procura de uma casca que nos caiba, nos proteja. E os críticos são só mais um de nossos inimigos nesse mar de incertezas que é a literatura.


[1] HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Estética: o belo artístico ou o ideal. São Paulo: Nova cultural, 1991.
[2] ARTAUD, Antonin. Van Gogh: o suicidado pela sociedade.
[3] JAMES, Henry. A arte da ficção. Osasco: Novo século editora, 2011.