Por Márcia Barbieri
Esses dias,
contemplando o oceano, me perdi na visão do mar masturbando e abrindo fendas na
pele da rocha. Comecei a refletir sobre a arte e consequentemente sobre o papel
da crítica. Às vezes, a crítica é uma geografia sinuosa, quase obscena, eu
diria, uma cartografia de incoerências, clichês e lugares comuns.
Por mais que eu
tente flanar, me distraio com meus pensamentos, não consigo me distanciar da
estética, ela povoa, arrebata. A beleza é traiçoeira, quando percebemos, já
estamos submersos, encantados com os olhos dos peixes coloridos e sem
pálpebras: Por isso o intelecto persevera
sempre no finito, no unilateral, na não-verdade. O belo, contrariamente, é por
si mesmo infinito e livre. [1]
Seguindo essa
trilha, acredito que enquanto a arte segue o caminho de uma existência sem
amarras, livre e infinita, uma constelação sem forma, a crítica percorre um
caminho intelectual, finito, que não pode se comparar com a plenitude ou a grandeza da obra. A inteligência não é suficiente para compreender o belo,
embora o tempo todo seja sugerido que o intelecto fale mais alto do que a
sensibilidade, que o objeto concreto fale mais alto que o objeto abstrato.
Julien Gracq,
embora tenha escrito Littérature à
l’estomac em 1950 mostra uma imagem atual sobre a obra e a crítica
literária. O autor considerava ridículas as premiações e os jogos literários,
pois ele percebia a criação de um evento peculiar no cenário literário. Ele
afirmou que houve um tempo em que as obras eram escritas e os leitores se
formavam para aquela obra em especial, partindo do pressuposto que para cada
autor existe um leitor ideal à espera. No entanto, ocorreu uma inversão, alguns
autores, para se encaixarem no que a crítica e o mercado editorial consideravam
bom ou vendável para um público rico e de gosto duvidoso, escreviam a obra, não
havia dessa forma verdade ou uma preocupação genuína com a arte, apenas era necessário
alimentar o monstro, nasceu assim uma literatura empacotada, pronta para o
consumo.
Tal cenário, embora tenha se passado sessenta anos,
não é muito diferente do atual. Assim como a crítica pode servir como um
escafandrista e trazer à tona obras geniais, ela pode ser análoga a um barco naufragado e deixar artistas completamente submersos. Um exemplo clássico de um artista
engolido pelo sistema é Van Gogh, utilizando a denominação de Artaud, um
suicidado pela sociedade: E não se
suicidou em um ataque de loucura, pela angústia de não chegar a encontrá-lo, ao
contrário, acabara de encontrar-se, de descobrir que era quem realmente era,
quando a consciência geral da sociedade, para castigá-lo por haver se apartado
dela, o suicidou. [2]
E quantos mais não foram estripados e degolados com o
auxílio de uma crítica parcial e interesseira? Uma crítica que está a favor de
um mercado editorial ou que se enclausura em jornais e faz pequenas resenhas elogiosas
de livros convenientes? A arte necessita de um diálogo sincero: A arte vive de discussão, experimentação
(...)e presume-se que os tempos em que ninguém tem nada de especial a
dizer(...) em que ninguém oferece motivos para o que pratica, embora possam ser
tempos honrados, não sejam tempos de evolução...”[3]
Não é um bom tempo para os artistas, estamos todos à
deriva. Alucinada vejo um caranguejo ermitão andando no meu corpo. Como eles se
assemelham aos artistas! Onde será que está nosso exoesqueleto? Também somos
feitos dessa carne mole, porosa, constantemente à procura de uma casca que nos
caiba, nos proteja. E os críticos são só mais um de nossos inimigos nesse mar
de incertezas que é a literatura.