Glenio Cabral (escritor) >>>
"Caro
Rogers,
seguem minhas opiniões sinceras sobre o seu livro. Não é preciso dizer que não sou um
crítico literário. Na verdade sinto-me meio desconfortável nessa atividade, já
que sou apenas um aspirante a escritor voltado para o público infanto-juvenil,
e nesse caso estou muito mais pra uma versão nacional da J. K. Rowling do que
para uma Saramago à brasileira, como é seu caso. Mas vamos ao que interessa.
Seu livro é denso, difícil, complicado.
Exige muito do leitor. Por densidade e complicação não entenda ausência de
conteúdo ou sequência desconexa de ideias. De forma alguma. Em todos os contos
percebi claramente uma história ou “viagem” muito bem organizada, com início,
meio e fim. A questão é que seu livro é totalmente visceral. Tudo é muito intenso, sem subterfúgios,
direto na ferida. Mas o direto na ferida é viajante, é submerso em devaneios,
encharcado em loucuras. Confesso que não tenho o hábito de ler esse tipo de
literatura. Por isso, talvez, tenha
sentido algumas dificuldades. Se eu estivesse numa livraria e me deparasse com
seu livro, muito provavelmente não o compraria. Por quê? Porque acharia difícil
pra mim. Falo como Glenio, como um leitor de coisas simples e algumas um pouco
mais complicadas, que gosta de mergulhar fundo no mundo da literatura, mas que
também aprecia objetividade e clareza. Falo como um leitor medíocre, que ainda
tem muito a amadurecer. Enfim, seu livro faz jus ao título, é uma loucura
literária. E como loucura, um grande desafio para o leitor médio. Cada vez que
eu terminava um texto, me perguntava se de fato minhas impressões estavam
corretas. Será que havia entendido mesmo? Era aquilo mesmo? Sabe, ler seu livro
me deu a sensação de que as coisas não estavam em ordem em minha cabeça, de que
havia muitas alternativas de compreensão, de que talvez o seu objetivo não
fosse enjaular seus textos num espaço compacto de compreensão, mas deixá-los
livres na mente alucinada de um ávido leitor. Seu livro me deixou alucinado.
Completamente. Deixou-me irritado
também. Fiquei nervoso várias vezes, e a leitura de “Manicômios” quase me causa
um conflito matrimonial. Por vezes
encarei-o como um jogo, um jogo difícil de se ganhar. No conto “O mundo
desencantado de Desseres”, por exemplo, eu quase pirei. Foi muita viagem. Sei
que o que estava em questão era a angústia humana, essa permanente crise
provocada pelas perdas na vida, pelas decepções e frustrações que os
personagens vivenciaram. Suas reações são cotidianas. Raiva, desprezo,
frustração, mágoa, esperança, desesperança... Mas admito que não consegui
penetrar no conto como gostaria. Se a leitura dessa história fosse uma relação
sexual, meu gozo não teria sido pleno, uma vez que seria dificultado pelas
penosas tentativas de penetração. Foi um conto difícil de ser penetrado. Enfim,
seu livro é um desafio. Mas qual grande literatura não é?
1.
Uma viagem ruim: na minha opinião, o melhor conto do
livro. Duas coisas me chamam atenção neste conto. Primeiro, o fato de ser de
fácil compreensão. É um texto direto, objetivo, claro, fácil. Para um leitor
mediano como eu, agradou bastante. E é o texto que abre a loucura que é seu
livro. Achei legal isso, um estímulo pra que o leitor não se desespere logo de
cara. Fico imaginando o que aconteceria se o primeiro texto fosse o da
“Desseres...” Gostei muito deste primeiro conto, como já havia lhe adiantado. A
maneira como o poema se manifesta comentando as frases que são compostas pelo
Brad, a forma como ele analisa o Brad, as conclusões a que chega... O poema é
concluído e... O final, arrebatador. Fantástico. Sinceramente, um dos melhores
e mais criativos textos que já li. Não tenho nenhuma crítica a fazer. Parabéns!
2.
Clarissa: Também de fácil compreensão. Insisto
na tecla compreensão porque leitores medianos como eu adoram compreender
claramente as coisas que estão lendo. É um defeito, eu sei. Mas, enfim, o
vocabulário da criança é bastante convincente. Em todo o tempo tive a sensação
de que meu sobrinho de cinco anos estava conversando comigo. Muito bacana a
linguagem que você utilizou. Gostei também da forma como você abordou as
descobertas da criança, a sexualidade, a admiração profunda pela amiga mais
velha... coisas do dia-dia, palpáveis a qualquer um, vivenciadas por todos nós.
Li o texto numa boa e gostei do que li. Esse foi fácil de ser penetrado. O
final foi bem legal também.
3.
O mundo desencantado de Desseres: esse é problema. Pelo menos pra mim,
foi. São muitos personagens, cada um mais psicodélico que o outro. Em todo o
tempo tinha a sensação de que estava assistindo a um show do Pink Floyd, algo
como The Wall. Loucura total,
psicodelia geral! Francamente não entendi muita coisa não, e olhe que quase saí
no tapa com esse texto. Mas você pediu franqueza, então estou sendo franco. Pra
mim, um texto quase impenetrável, embora muito rico. Não senti prazer em lê-lo.
Li-o mais por obrigação. É isso.
4.
Um vôo entre as estrelas e o chão: bom texto. Senti uma enorme carga
psicológica (o que é geral em todo o livro) neste conto. Senti-me na pele do
cara, do conquistador, do incompleto, do insaciável. Foi um texto fácil de ser
lido, apesar de ter sido um grande desafio também. As frases curtas não o
tornam cansativo, apesar de ser um texto relativamente longo. Gostei da
linguagem e das frases curtas. O final é um retorno ao começo, com a Josi em
questão. Recurso legal também. Tive prazer em lê-lo.
5.
Amor-perfeito: um texto difícil. Texto de frases
imensas, povoado por palavras, por mil palavras, por um turbilhão de letras. Às
vezes eu procurava loucamente por um ponto final, e nada. O tema me parece
simples. O amor. Mas o amor é tratado aqui de forma visceral, intensa,
metafórica e exagerada. Compreendi facilmente que havia um diálogo no texto. Um
diálogo entre Lúci e Gabriel. Isso foi fácil de entender. A questão toda foi
saber quem eram as duas pessoas. Estamos
tratando aqui de seres angelicais? Gabriel e Lúcifer? Ambos estavam tendo um
caso celestial? Ou infernal? Ou são apenas pessoas com esses nomes? Fiquei com
essa dúvida na cabeça. Mas confesso que a dúvida foi legal. Gostei de sentir
isso, gostei mesmo. Acho que enriqueceu muito o texto".
* Já-já,
mais opiniões sinceras do Glenio Cabral e de outros leitores sinceros.
** O livro Manicômio será publicado em julho de 2012.
** O livro Manicômio será publicado em julho de 2012.