6 de fev. de 2012

Trem de doido

Por Marcia Barbieri

A vida é um osso duro de roer. Desenterro os dias. Rizomas mortos. Enfio os dentes e perfuro até chegar ao tutano. Tenro. As moscas brancas cercam minha cara e incomodam. Olhos de boi. Estou há três dias soltando as tripas. Mais um dia de merda. As varejeiras continuam me fodendo a vida, rondando meu rabo. Oroboro o caralho. Nunca fui dado ao misticismo. Mandalas nunca me acalmaram. Gatos de Alice sarcásticos na janela. O suicídio é pra poucos.
Não consigo parar de pensar naquela cadela, a vaca só queria mesmo ser comida, depois sumiu, foi dar pra outro. E eu uivando feito tonto. Pau a pique. O amor é mesmo uma construção burguesa. Fico horas olhando as roupas secando no varal. Toda intimidade exposta a céu aberto. Pardais ciscam no quintal, sempre em cima do muro. É difícil assumir uma posição.
Se não bastassem os três dias de diarréia, ontem fui atravessar a rua e um idiota de um moleque me atropelou. Lembrei do Rogério e sua crônica sobre um animal de pelo curto e amarelo. Gosto de imaginar o amarelo sangrento no asfalto, feito um piche inventado. Baleia zonza debaixo do sol. Agora a minha perna está em carne viva, posso escutar o sorriso desses malditos mosquitos. Larvas me devoram e eu ainda não morri. Como pode um animal se conformar em viver sob a pele de outro? Parasitas me causam nojo.
Sinto tanta dor que o suor e a saliva escorrem abundantes pela minha língua. Acordo e o meu corpo está todo dolorido e não para de coçar, parece que carrapatos perfuraram a pele e fizeram ninho na ferida exposta.
Era só o que me faltava mesmo. Vejo duas mãos enormes. Luvas brancas. Já até imagino o que me espera. É o Rogério. Ele aperta com força. Duas, três, quatro vezes. Uma berne salta e se esparrama elegante no chão. Tento agarrá-la. A coceira para. Mas preciso ficar deitado até essa perna sarar, ele alerta enquanto afaga entre minhas orelhas. Eu não posso mais perseguir o centro de mim. E afinal, o que mais pode um cão fazer além de correr atrás do próprio rabo? Hidrofobia. Mordo a canela do meu dono.A vida é um osso duro de roer. Desenterro os dias. Rizomas mortos. Enfio os dentes e perfuro até chegar ao tutano. Tenro. As moscas brancas cercam minha cara e incomodam. Olhos de boi. Estou há três dias soltando as tripas. Mais um dia de merda. As varejeiras continuam me fodendo a vida, rondando meu rabo. Oroboro o caralho. Nunca fui dado ao misticismo. Mandalas nunca me acalmaram. Gatos de Alice sarcásticos na janela. O suicídio é pra poucos.
Não consigo parar de pensar naquela cadela, a vaca só queria mesmo ser comida, depois sumiu, foi dar pra outro. E eu uivando feito tonto. Pau a pique. O amor é mesmo uma construção burguesa. Fico horas olhando as roupas secando no varal. Toda intimidade exposta a céu aberto. Pardais ciscam no quintal, sempre em cima do muro. É difícil assumir uma posição.
Se não bastassem os três dias de diarréia, ontem fui atravessar a rua e um idiota de um moleque me atropelou. Lembrei do Rogério e sua crônica sobre um animal de pelo curto e amarelo. Gosto de imaginar o amarelo sangrento no asfalto, feito um piche inventado. Baleia zonza debaixo do sol. Agora a minha perna está em carne viva, posso escutar o sorriso desses malditos mosquitos. Larvas me devoram e eu ainda não morri. Como pode um animal se conformar em viver sob a pele de outro? Parasitas me causam nojo.
Sinto tanta dor que o suor e a saliva escorrem abundantes pela minha língua. Acordo e o meu corpo está todo dolorido e não para de coçar, parece que carrapatos perfuraram a pele e fizeram ninho na ferida exposta.
Era só o que me faltava mesmo. Vejo duas mãos enormes. Luvas brancas. Já até imagino o que me espera. É o Rogério. Ele aperta com força. Duas, três, quatro vezes. Uma berne salta e se esparrama elegante no chão. Tento agarrá-la. A coceira para. Mas preciso ficar deitado até essa perna sarar, ele alerta enquanto afaga entre minhas orelhas. Eu não posso mais perseguir o centro de mim. E afinal, o que mais pode um cão fazer além de correr atrás do próprio rabo? Hidrofobia. Mordo a canela do meu dono.