27 de dez. de 2011

Demência


                                    Parte da Alegoria do Triunfo de Vênus (1540-1545), de Agnolo Bronzino
Por Geraldo Lima

Do umbigo do tempo até este presente, despraticando a circunspecção da linguagem, obscurecendo-a luminosamente, discursando para o nada. Sem um interlocutor à altura da sua retórica fantástica, seu exercício de semear o incomunicável, seu despir-se de todos.

Dizem no bojo do máximo espanto: alimenta-se da carne das palavras, umas com o estranho poder de eternizá-lo. Creio nesse mistério também: o modo como o tempo o tem poupado reforça a crença. Petrificou-se. Divinizou-se. Aere perennius. Não adoece, não envelhece, não carece de ninguém. A solidão é, portanto, sua trincheira absoluta. Onde o real ergue muros, lá ele principia sem limites.

Sempre consigo mesmo, inacessível. Desavença constante com algo que inexiste. Aparentemente.  Basta entender que o que para ele existe, existe imenso. Olhos comuns assim, dados ao mínimo, nada penetram, nada discernem.

Dizem, no entanto, ávidos de clareza: espíritos mandam nele. 

Do livro de minicontos Tesselário, Selo 3x4, Editora Multifoco.