13 de dez. de 2011

A arte de plagiar - Malagueta # 21

Por Marcia Barbieri

Vendo uma exposição de quadros baseados na obra de Tarsila do Amaral comecei a me perguntar qual o valor da cópia. Muitas das imitações encontradas ali, embora não fiéis ao quadro da talentosa pintora, inventavam uma outra expressão artística, a qual era difícil definir como pior ou melhor do que a sua base. Também não era possível afirmar que fossem originais, já que tentavam reproduzir a partir de algo morto. Comecei a ter certeza que toda a história literária não passava de um plágio bem feito. Confesso que o meu primeiro impulso foi chorar, mas logo depois me consolei por saber que não sou a única que me preocupo com a originalidade, há tantos outros tolos... Ernesto Sabato, em uma de suas entrevistas, fala sobre essa espécie de plágio perpassando o tempo e ao qual estamos condenados. No entanto, ele absolve o artista:

Quê, querem uma originalidade absoluta? Não existe. Nem em arte nem em nada. Tudo se constrói sobre o anterior, e em nada humano é possível encontrar pureza. Os deuses gregos também eram híbridos e estavam “infectados” por religiões orientais ou egípcias. Também Faulkner provém de Joyce, de Huxley, de Balzac, de Dostoievski.

O artista é por excelência um imitador, já que sua arte expressa não apenas sua individualidade, mas sua regurgitação, mesmo que inconsciente, do seu momento histórico. Infelizmente não perpetuaremos a espécie ou mudaremos o rumo da humanidade através da originalidade das nossas obras. Mesmo assim tentamos, escrevemos, apagamos, reescrevemos, procuramos metáforas, clamamos por estilo. Talvez por pura ingenuidade ou por um desespero incompreensível, um desejo real de preencher o vácuo que nos atravessa. Para o ácido Cioran: Criador de valores, o homem é o ser delirante por excelência, vítima da crença de que algo existe, enquanto que lhe basta reter sua respiração: tudo se detém.

Ainda mais delirante do que os outros homens é o artista, ele coloca sua obra acima da vida, talvez porque saiba que a morte chega rápido para a carne e sonha que sua obra, que ele julga sempre como original, todo artista é também megalomaníaco, o poupará dessa vingança horrível dos deuses: a mortalidade.

Maurice Blanchot também discute sobre essa busca inefável do escritor: Ses talents, il les met en oeuvre, c’est-à-dire qu’il a besoin de l’oeuvre qu’il produit pour avoir conscience d’eux et de lui-même.

Isso explica um pouco da necessidade do autor encontrar a originalidade. Plagiar é também se negar como indivíduo. É assumir que é um ser falho, substituível e, portanto, um ser nulo.

Heidegger também discute a originalidade. O filósofo acredita que só através da linguagem poderemos encontrar nossa autenticidade. A linguagem não é adquirida pelo homem, somos apenas um porta-voz do ser. A linguagem é uma prece, um culto para o ser. No entanto, aqui, originalidade não é uma simples questão de estilo, forma ou expressão artística, mas de essência: O esvaziamento da linguagem que grassa não corrói apenas a responsabilidade estética e moral em qualquer uso da palavra. Ela provém de uma ameaça à essência do homem.

Levando em conta as palavras de Heidegger, copiar é como repetir uma ladainha, nossas bocas se mexem automaticamente, mas as palavras não nos dizem nada, atravessam nossos corpos e não os vibram. Plagiar é também deixar-se morrer, chegar próximo ao animalesco. A originalidade nos distingue. A obra é uma intenção, embora muitas vezes inútil, de se reinventar, de se desculpar, de se mostrar imprescindível.

Por hoje, deixemos tudo isso pra lá, vamos fazer uns versos vagabundos e tomar um café quente de safra transgênica. Afinal, plagiando Cioran, a vida se cria no delírio e se desfaz no tédio.