Esta edição do CorraAtrásDessesLivros é especial porque pode ser a última. Talvez seja mesmo a última, talvez não. De qualquer forma, uma edição especial é enciclopédica, como seleção natural. O intuito desta campanha sempre fora o incentivo à leitura de obras clássicas, aquelas que têm relevância para a literatura. Mas nesta edição os colunistas d’O BULE escalaram um time de craques das letras que deveriam ser lidos sempre, sejam como reflexão ou apenas por apreciação deleitosa.
Confiram alguns dos melhores times da literatura, segundo os colunistas d’O BULE – aqui perfilados com a numeração clássica de 1 a 11, como na crônica esportiva e literária de outrora. Escale também o teu timaço de escritores craques ou craques escritores, caro leitor, nos comentários da postagem:
RICARDO NOVAIS escalou seu time no clássico esquema tático 4-3-3, mas com jogadores ofensivos e apurados >>>
1 – Kierkegaard, goleiro da angústia; defende a representação de um mundo viciado pelos sonhos da esperança tardia e que talvez nunca se materialize. 2 – Tolstoi, lateral clássico, chega à linha de fundo e cruza a bola com perfeição na grande aérea do mundo. 3 – Flaubert, zagueiro central de boa técnica e grande elegância. 4 – Augusto dos Anjos forma a zaga com requinte e energia, ao mesmo tempo; com ele é na canela do atacante. 6 – Dostoiévski, jogador que faz um falso lateral, na verdade é um ala ou mesmo um meio-de-campo que chega à frente para finalizar com encanto às redes humanas. 5 – Clarice Lispector possui a arte de colocar ordem neste meio-de-campo; sua elegância permite os mais belos lançamentos da história da literatura da expiação. 8 – Drummond, craque incontestável; distribui as jogadas armando com garbo e muita fleuma. 10 – Machado de Assis, meia-armador genial, maior de todos; o Pelé da literatura (opinião do colunista). Embora jogue com classe insuperável, é meticuloso, irreverente e, por vezes, sem prender muito a bola, cria jogadas ora com refinadas ponderações ora com dribles espetaculares. Ainda ataca qualquer ideia com crueldade cínica. Bruxo irônico, sádico e maldito! 7 – Nelson Rodrigues, atacante com senso de marcação. Ora habilidoso e driblador, ora conservador. Tem fama de craque bad boy por causa de sua língua pornográfica, mas foi um anjo da literatura que viveu em cima dos telhados das casas poluídas e asfaltos obscenos. 9 – Borges, centroavante fantástico; aliou a técnica de jogador inteligente e imaginativo à tradicional garra portenha. Exímio cabeceador. Gênio da artilharia. 11 – Jorge Amado, o maior ciscador da literatura. Extremamente decisivo, tem os dribles mais prolixos da escrita. Técnico, DT: Um timaço deste não precisaria de um treinador; mas a liberdade de Bukowvski, o velho safado, driblaria qualquer doping com olhos aguçados do banco de reservas, entre um drinque e uma grande jogada de articulação.
MARCIA BARBIERI é uma mulher que entende tudo do esquema tático das letras, por isto escalou um verdadeiro esquadrão de craques da escrita >>>
1 – Nikolai Gogol: uma narrativa extremamente bem construída, realista. Bem será que o conto-novela O nariz pode ser considerado “absurdamente” realista? Isso daria um bom debate. 2 – Miguel de Cervantes, hilário, extremamente triste. Todos somos um pouco Dom Quixote, uma loucura triste. 3 – Fiódor Dostoievski: humano, conflituoso, barroco. 4 – Yasunari Kawabata: um retrato da degradação. Recomendo A casa das belas adormecidas. 6 – Antoine de Saint- Exupéry: de uma ternura indispensável. 5 – Hilda Hilst: uma linguagem inovadora, poética, erótica e perversamente humana. Kadosh. 8 – Jean Genet: sua linguagem é deliciosamente visceral e erótica. 11 – Murilo Rubião: o realismo fantástico mais humano do mundo. 10 – Lygia Fagundes Telles: sem narrativas mirabolantes, Lygia conta uma história colocando nossa carne do avesso. Se Lygia escrevesse apenas O natal na barca ainda estaria entre as melhores. 9 – Julio Cortázar: quem leu o conto Axolotl sabe porque Júlio Cortázar está entre os melhores. 7 – Juan Rulfo: inovou a narrativa hispano-americana, suas palavras nos conduzem em um caminho sem volta. Seu livro Pedro Páramo é indescritível, um dos melhores livros que já li, apesar da aparente brevidade. Primeiro suplente (um acidente de automóvel tirou-lhe dos campos) – Albert Camus: fantasticamente bom.
ROGERS SILVA também escalou sua seleção de craques, técnica e imbatível! >>>
1 – Milan Kundera, grande goleiro tcheco, defende uma literatura complexa e, ao mesmo tempo, leve; sua maior jogada é conhecida como A insustentável leveza do ser, uma ponte no ar com o corpo quase em câmera lenta. 2 – Ernesto Sábato, lateral habilidoso, é ele quem mais faz a ponte entre meio-campo e ataque; é também conhecido por seus cruzamentos na cabeça dos seus parceiros; após a publicação de Sobre heróis e tumbas, nunca mais perdeu sua vaga na seleção. 3 – Edgar Allan Poe, zagueiro confiável, nunca comete deslizes próximo à grande área; conhecido por seus toques (contos) curtos; jamais dá chutão. 4 – Tchekhov, forma dupla com Poe na zaga e, juntos, irritam atacantes por seus toques curtos e perigosos próximo à grande área; ele inicia boas jogadas do time, que é expert em começá-las lá atrás, sem chutões do goleiro ou dos zagueiros. 6 – Gabriel García Márquez, lateral esquerdo do time, confunde os adversários por deslocar do extremo direito ao extremo esquerdo do campo; às vezes confunde os seus próprios parceiros; gosta muito de virar o jogo, e o faz com maestria. 5 – Campos de Carvalho, volante durão, é conhecido por distribuir pancadas ferozes na sociedade por meio da sua literatura sarcástica e humorística. 8 – José Saramago, o cérebro do time, é conhecido pela sua visão de jogo excepcional; o único não-atacante a ganhar o Prêmio Bola de Ouro. 7 – Lygia Fagundes Telles, metade meio-campo metade atacante, jogando mais pela esquerda, tem a liberdade e a habilidade de armar e de atacar; quando não está na seleção, joga com As meninas. 10 – Carlos Drummond de Andrade, jogador genial, múltiplo, habilidosíssimo, tanto faz gols como deixa seus parceiros na cara do gol adversário. 9 – Machado de Assis, atacante de profissão, raramente perde um gol na pequena área; é curto, é seco, é direto; abre mão das firulas por visar o mais importante: a bola no fundo da rede. 11 – Guimarães Rosa, o mais criativo do time, é conhecido por seus dribles desconcertantes e seus toques magistrais; quase todos os seus gols são de placa. OBS: Os últimos três jogadores são considerados por muitos especialistas os maiores gênios dos campos das letras brasileiras. Concorda?
GERALDO LIMA montou sua equipe de gênios da escrita jamais vencidos dentro dos campos das letras >>>
1 – Cecília Meireles: autora de poemas líricos de uma beleza ímpar. Com o Romanceiro da Inconfidência, encanta até os adversários. No gol, é capaz de surpreender com voos poéticos espetaculares. 2 – Marilene Felinto: zagueirona que não dá mole para o ataque adversário. Seus dribles literários são desconcertantes e deixam os adversários atordoados. Bate forte, sem dó nem piedade. Obsceno abandono é um chute na canela do leitor acomodado. 3 – Simone de Beauvoir: na zaga do pensamento ocidental, soube encontrar uma voz própria, segura, combatendo e avançando lado a lado com o pensamento e as jogadas de Sartre. O segundo sexo foi um golaço. 4 – Heloísa Seixas: Conduz a bola com grande habilidade, desce bem até a linha de fundo e consegue cruzar para a grande área da literatura brasileira. Os adversários não lhe dão a devida atenção, mas suas jogadas são inovadoras e ousadas. Quem leu Pérolas absolutas sabe do que estou falando. 6 – Virgínia Woolf: Não se preocupem com o fato de ela apresentar uma personalidade extremamente sensível, que a coloca muitas vezes nos braços da morte. É por isso mesmo que se trata de uma jogadora espetacular, surpreendente. Avança e recua com muita criatividade, inovando sempre. Treinador algum a deixaria fora da Seleção. 5 – Carolina Maria de Jesus: sei que algumas pessoas, nas arquibancadas, vão torcer o nariz, talvez até vaiar, mas Quarto de despejo é obra que expõe com contundência as desigualdades sociais no Brasil. A autora, mesmo com poucos recursos expressivos, bate forte nas mazelas sociais. E mantém, ainda, um olhar crítico em relação ao meio em que vive. Não é complacente. E isso é bom: pode ser uma voz que chame a atenção das companheiras desatentas em campo. Jogará um pouco mais recuada que Toni Morrison. 8 – Toni Morrison: uma das vozes mais importantes da literatura norte-americana. Em sua obra literária, não deixa que o pensamento aniquilador da identidade cultural do seu povo avance até a grande área do ser. Narra com muita competência o drama e a experiência de vida dos negros americanos, sem complacência. É uma presença forte na cabeça de área da literatura mundial. Por tudo isso, recebeu o Nobel de Literatura de 1993. 11 – Ana Cristina Cesar: traduziu bem o pensamento da sua geração. Seus textos poéticos, aparentemente simples, são, na verdade, sofisticados e tocantes. Mescla ficção e vida pessoal com muita sensibilidade. No meio de campo da literatura brasileira, é uma alternativa de jogadas líricas e inesquecíveis. A teus pés nos mostra tudo isso. 10 – Florbela Espanca: mais uma poeta no meio de campo da literatura de língua portuguesa para deixar o time adversário sem opção de jogadas. Sensibilidade poética à flor da pele. Forma, com Ana Cristina Cesar, uma dubla imbatível. Pena que ambas vão deixar o campo ainda no primeiro tempo. 7 – Julieta de Godoy Ladeira: uma autora de jogadas modernas, que anda meio esquecida pelos cartolas da literatura e pelo público em geral. Neste meu time, é titular sem dúvida alguma, jogando quase como centroavante. O repertório de jogadas dessa autora é vasto. Em Era sempre feriado nacional, por exemplo, ela arma narrativas que transitam pelo universo do cinema, da música popular brasileira e da própria literatura. 9 – Amélie Nothomb: uma atacante nata. Costumam criticá-la por publicar demais, praticamente um livro por ano. E olha que são obras perturbadoras, apresentando personagens nada comuns. Em Cosmétique de l’ennemi, por exemplo, joga com a questão do duplo. Bom, é de uma goleadora assim que este time precisa.
*** Agora é sua vez, caro leitor apaixonado pelas letras! Escale também o seu time de craques da literatura. Envie sua escalação para o nosso e-mail coisaprobule@yahoo.com.br ou deixe aqui no espaço dos comentários. Ah, também pode enviar pelo nosso formulário de contato ***
* O criador da escalação mais criativa ganhará um exemplar da obra foto-poética Asfalto, organizada por Fernanda Grigolin.