A coisa mais estranha aconteceu na minha sala de justiça, onde firmo e despacho meus serviços de super-herói genuinamente brasileiro. Procurou-me um pastor e contou uma história excêntrica, para não dizer estarrecedora. Pedia-me socorro e desagravo.
- Como vai, Juca? – foi logo dizendo. – Fui enganado por Deus, quero vingança!
- Quer se vingar de Deus?
Esta gente não é fácil, pensei, mas, afinal de contas, foi Ele mesmo que criou... O pastor parecia doido, sangue-no-zóio. Começou dizendo que, num final de tarde claro e alaranjado, entre arranha-céus espelhados e irrefletidos, desceu à Terra o Todo-Poderoso em pessoa vindo na sua direção.
- Ezequiel, meu filho; tens uma missão! – bradou a voz de trovão inesperado.
- Mas eu, Senhor? – espanto diante da Imagem Divina.
- Sim, meu filho! – respondeu a tal voz mediúnica e sonora. – Preciso que tu pregues a Palavra entre os efeminados e homossexuais. É preciso que tu adentres aos ambientes da sodomia...
- Meu senhor, quer que eu vá e caia na promiscuidade?
- É preciso, Ezequiel.
- Se o Senhor quem diz, faço. Mesmo que depois eu tenha que viver eternamente no inferno...
- Não te preocupe, meu filho! Vais dar o cu para salvar os homens.
E assim foi narrando pastor Ezequiel aquela história esquisita, descrevendo o seu encontro com Deus e de como a sua vida mudou dali para frente. Contou-me que, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, praticou a sodomia com homens que pareciam mulheres e com outros homens da mesma categoria. Por três anos deu o cu desde a zona norte à zona sul da cidade passando de leste a oeste e principalmente na pedra angular central, percorrendo becos e vielas, e por todo o ambiente dos cinco pontos da modernidade citadina, propalando e pregando a Palavra. Palavra Santa, Sagrada!
Confessou-me, no entanto, que num dia percebeu que enquanto ia à direita, sua sombra ia à esquerda. Foi neste dia que lhe apareceu novamente a imagem de Deus.
- Senhor, eu já não posso mais! Fiz tudo que me pedistes, mas sinto que perdi minha alma; dei-me a todos que me pediram, entreguei meu raro espírito condescendente e com ele meu profundo coração indulgente. Não me sobrou nem um pouquinho de...
Bruscamente, disse-me que foi interrompido enquanto fazia suas orações. As lamentações ao ser metafísico, repentinamente, escaparam-lhe; pois, segundo pastor Ezequiel, a figura divina de Deus foi devagarzinho se transformando nos contornos espúrios do anjo do mal. Sem dúvida, viu a efígie do chifrudão diante de si. Asseverou-me que o cheiro de enxofre tomou conta de tudo, evidenciando assim o seu engano imperdoável: tratou com o diabo.
- Há, há, há, há! – o pastor contou que o demônio, todo escarninho, dá gargalhadas assustadoras. – Como você é besta, Ezequiel! – disse o coisa ruim. – Aquele Darwin é um filho da puta! Como pode ter enganado tanta gente? Por isto que ninguém o encontra em lugar nenhum. No Céu ele não está. No inferno nunca deu as caras. Filho da puta mesmo! Há, há, há, há! Ezequiel, você é a prova da evolução da espécie: de macaco a burro! Há, há, há, há, há, há, há, há!
- Cadê Deus, diabo?!
- Não choramingue, seu bundão! Não sabe que Deus não lê jornal? É muita tragédia... Há, há, há! É... Te vejo no inferno, Ezequiel! Há, há, há, há, há!
Pastor Ezequiel contava-me tudo sem gota de lágrima, tinha apenas carregado ao semblante uma resignação untada com ódio cordato. De repente, dirigiu-me o ultimato:
- Juca Brasil, vai me ajudar a me vingar de Deus ou não?
- De Deus ou do diabo?
- Tanto faz, o focinho de um é o rabo do outro.
Não pude ajudar o pastor. É que há coisas em que não se mexe, leitor; e mesmo um super-herói tem lá suas limitações metafísicas... Antes de tudo, sou brasileiro: criacionista e evolucionista, ao mesmo tempo. Que inferno antagônico! Soube que Ezequiel deixou de ser crente em aparições mediúnicas, agora ele atende na pedra angular da cidade pela alcunha de Madame Jeniffer D’Ângelo.
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Até breve. Bons dias e boas noites.