* Os três primeiros episódios podem ser lidos AQUI.
Que fato extraordinário, leitor! Procuraram-me duas figuras ligadas ao governo. Não eram fiscais do imposto de renda, tão pouco eram eles agentes da polícia federal. Também não eram da pasta da cultura oferecendo algum milhãozinho de patrocínio ao O Bule. Os dois homens que vieram ter comigo queriam contratar-me à vigília de jantar do homem mais poderoso do mundo.
O homem mais poderoso do mundo esteve em visita oficial no país, cumprindo agenda entre chefes do povo. No entanto, como sou o legítimo super-herói brasileiro que não tem medo do mal, fiquei de butuca no magnífico jantar em homenagem à personalidade mais admirada da noite. Meu ofício era proteger a integridade alheia, mas só fiz ouvir a retidão das línguas.
Desgraçadamente, uns o queriam como troféu à glória da virtude dos homens civilizados; outros, no entanto, queriam vê-lo morto e exposto em loja ordinária de castiçais num shopping center lá para os lados da Marquês de São Vicente.
- À nossa valorosa sociedade! – deram início as cerimônias diplomáticas.
Foi então que um jornalista abelhudo, intruso na festa, bradou da entrada principal:
- E a guerra, doutor?
Nem lhe deram ouvidos. Foi expulso do polido salão à marteladas, pobre diabo! Eu mesmo tive que intervir salvando-lhe de outro destino – barganhando-lhe, é claro, boa manchete deste herói em seu jornalão. É que a vida nesta Nação compõe-se de jantares vultosos, eventos de caridade, futebol cinematográfico, shows de música de origem duvidosa, sessões de julgamentos alheios e de carnaval fora de época em Copacabana; é uma permanente sincronia universal. Coisas maiores, leitor! Coisas maiores!
Eis que no jantar extraordinário, em meio a distintos e ilustres convidados, levantou o homem mais poderoso do mundo taça do melhor champanhe, manifestando-se – sempre acompanhando, claro, as ideias de Jesus Cristo, no caso o nosso Redentor, pregadas por São Sebastião, São Jorge e St. Patrick's – que a amizade entre os povos depende da conta própria, e não da falta de apetite dos homens. Ainda disse, em alto e bom som, que todas as nações vizinhas deveriam ter as mesmas ideias e seguir o mesmo modelo de conduta. Por fim, ele declarou, à digna mesa, que a ordem e a moral são dádivas de Deus, e aquele que contraria a lei, a boa conduta e os bons costumes, deve pagar com a própria vida pelo ato. Sim! Nenhum cadáver é mal posto, todos são oportunos; porque nenhum cidadão de bem é obrigado a conviver com o mundo e sua violência psíquica e pervertida.
- E viva toda a América!
- O refrigerante é nosso!
- All right!
- O povo brasileiro é...
- Não há necessidade, Excelência. Estamos entre iguais. Deixe as palavras elogiosas para o discurso ao público etc.
- With all right.
Pode imaginar como me senti ali, não é, caro leitor? Não! Não dei a mínima para palavras políticas. Julguei sim bom que o homem mais poderoso do mundo, vindo da terra dos super-heróis célebres e ainda com a retaguarda da melhor segurança de agentes vestidos de preto e óculos escuros, todos armados até as cartolas de veludo e carregando as secretas maletas codificadas com equações de toda ordem radioativa, esteve sob a fiança de Juca Brasil; e se um homem prestigioso deste precisou de minha proteção, mesmo que somente naquele arrebatador jantar, eu também posso me declarar, em momento oportuno, o herói mais poderoso do mundo. E o povo que vá para o diabo que o carregue!
Fechei lá meus olhos, leitor. Então todos aqueles convidados brindaram a mim e às minhas peripécias heróicas, todos impelidos de admiração – inclusive o chefe mais poderoso. Em meio às tapinhas às costas e mensagens de força e esperança em defesa à grande nação, comentaram o meu desprendimento, a minha filantropia em salvamento à pátria – inclusive a chefe da Nação. “Grande humanista!”, escutei quase adormecido por causa do vinho.
- O álcool é um veneno que não tem tanto poder a ponto de matar os bichinhos ruins dentro da gente, meu caro... – disse-me ainda um velho de departamento do governo; creio que da pasta do seguro social, trabalho e emprego.
Mas não, leitora minha, não carrego em mim rompante ou empáfia balofa. Sou eu tão-somente um herói de bem que quer ver a paz na sociedade e o mal reduzido à carcaça. Sou pela defesa da segurança nacional, como sabe; e também da alheia. Creio que sou muito bem quisto por isto, pelas minhas boas ações heróicas. À salvação da alta casaca! Também salvo cristãos e gente de moral libada. Não é todo dia que se pode proteger grande figura mundial de algum mal do próprio mundo, e nem é qualquer um que tem ofício tão soberbo quanto o meu; concordas? Obviamente. E nisto digo-lhe, modestamente, que parece até que sairá matéria – jornalista, é bom que se diga – sobre a minha personalidade caridosa e corajosa de super-herói nos grandes jornais, nas revistas conceituadas e nos emocionantes canais de televisão, e traçarão ainda o meu perfil humanista em sofisticadas colunas sociais, em documentários de cidadania internacional e em redes sociais da internet; todos sedentos por letras impressionadas. E suponho que serei manchete por toda a cidade, todo o país, quiçá por todo este mundo: Juca Brasil, super-herói de nação mansa, lírica e abecada.
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* Ora, caro amigo; como sabe, não trato apenas de casos extraordinários onde há neles homens de poder ou muito dinheiro. Também trabalho recebendo honorários a prazo e com pitadas de episódio comum. Então, já sabe; quando houver evento que necessite de auxílio de super-herói pró-ativo, levante o dedo indicador e grite: “Oh, salve-me dessa vida vazia. Socorro, socorro, Juca Brasil!”. Atender-lhe-ei, nesta mesma sala literária que às vezes abre as portas para a justiça, aos seus casos mais íntimos e pacatos, até alguns de ordem violenta – desde que a minha integridade física e moral heróica estejam devidamente preservadas. Deixe-me breve relato de seu caso nos comentários logo aí abaixo. Por agora, estou envolvido com questão de cliente graúdo do sertão; voltarei com os detalhes da ocorrência – resolvida, assim espero! – no próximo dia 16 deste mês. Até lá. Um abraço, bons dias e boas noites.