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Por Rodrigo Novaes de Almeida
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“O tempo é o sistema fictício que tem por única finalidade impedir que tudo aconteça de uma vez.”, página 372.
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São os anos noventa do século passado. Leonardo é um homem comum. Professor universitário, faz bico como redator substituto num jornal carioca e tem um caso ou outro com mulheres que entram e saem da sua vida sem que ele pareça se importar muito. Leonardo é um entre as dezenas de personagens que flanam por A dança dos desejos, opus 13, de Esdras do Nascimento. À parte o relevo balzaquiano de incontáveis figuras – Balzac é também um personagem do livro, um cão –, a cidade do Rio toma corpo como quase-persona do romance. Uma localidade que resultará em universalidade, pela sofisticação dos artifícios narrativos elaborados pelo autor. Corpo, localidade, universalidade e artifício são elementos para se pensar as muitas camadas da obra.
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Não seria apenas um dado curioso a presença de uma seleção de notícias da época entrecortando a narrativa ficcional. Do estranhamento inicial, devido à diferença de linguagem, percebemos que o artifício se adapta à história, de tal forma que o desfecho do livro abre mão da ficção para apresentar mais uma dessas notícias. Se no começo, ao ler as primeiras notas jornalísticas, com o seu lead, em sua forma clássica, apresentando os fatos de acordo com o que seria mais importante informar, ignorando a cronologia dos acontecimentos, a artificialidade ainda tem força, aos poucos essa força vai se perdendo, a artificialidade do arranjo de notas verídicas e de narrativas ficcionais vai se diluindo, como se umas passassem às outras as suas características delimitadoras, terminando na troca de polaridade – a história ficcional não tem um fim, posto que é “vida que continua”, ao passo que uma última notícia determina a ruptura da história, ou a provisória, e artificial, ruptura dessa “dança dos desejos”.
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Corpos que flanam, amam, ou, como diz um trecho, “não amam ninguém”, coexistem com mentes que pensam – talvez de um jeito mais parecido com o nosso do que gostaríamos de admitir –, vozes que falam, na maior parte das vezes simplesmente para exercer a propriedade da fala, em ações cotidianas muito mais reativas ou, em alguns outros momentos, meramente acidentais. Existe, no autor, uma preocupação de refletir a padronização de comportamentos, ou, quem sabe, até mesmo uma padronização existencial, nesses e desses dias de avalanche de informações, consumo desenfreado e instabilidade referencial. Entra aí uma deliciosa sacada do livro: além de uma seleção de notícias entrecortando a história, estão presentes também relatos sobre Confúcio, Esparta e Kant. Os relatos sobre Esparta são os mais interessantes, porque dialogam diretamente com uma outra cidade, o Rio de Janeiro, que, como já disse, é uma espécie de personagem no livro. Temos, então, a cultura da forma física, da beleza, da boa alimentação, dos corpos saudáveis e, principalmente, sarados desfilando seminus nas praias, a obsessão por academias, não as academias platônicas ou liceus aristotélicos, mas as academias de ginástica. Esparta. Rio.
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A dança dos desejos, opus 13 tem a substancialidade dos clássicos, e a sua leitura traz aquele sentimento de acabamento, de que não se precisa dizer mais, já está tudo ali. A sofisticação da narrativa, com os personagens falando, pensando e (re-)agindo congruentemente, ao passo que nós, leitores, os acompanhamos, deslizando através dessas múltiplas falas e pensamentos e ações/reações, identificados neles... Sim, é uma dança, Nietzsche tinha certa razão. Opus 13. E sem estender mais as minhas digressões, tenho por fim a pretensão de dizer que A dança é uma leitura indispensável. Expressão catártica do nosso tempo, aquele mesmo tempo que tanto precisa (é a nossa crença) de nós e de nossas construções narrativas, sejam elas ficcionais ou não (embora suspeite de que toda construção seja, de fato, ficcional), para ser definido ou ter, mesmo sob velamento, alguma significação.
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Abre aspas
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– Por que Copacabana, Vivaldo? – perguntou Roberto de Aquino. – Não acha que tem gente demais morando lá? Aquilo parece um formigueiro.
– Nem sei dizer por quê, Roberto. Copacabana me atrai, tudo lá me parece mais autêntico, mais verdadeiro. Tem milionário, tem gente fodida, tem puta, camelô, pivete, turista, gosto dos bares com as cadeiras nas calçadas, aquele povo bebendo, fazendo negócios, namorando, comendo, traficando drogas, discutindo comissão em investimentos, essa merda toda, com o sol nas fuças e um tesão incrível na alma.
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O autor
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Esdras do Nascimento nasceu em 8 de fevereiro de 1934, em Teresina, Piauí. Viveu em Fortaleza, Natal, Crato, Porto Alegre, Santa Maria e Brasília. Passou dez anos no exterior: Amsterdã, Londres, Nova York. Atualmente, mora no Rio de Janeiro, onde dirige uma oficina de criação literária.
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Doutor em Letras, pela UFRJ, com Variante Gotemburgo, em 1977. Pela primeira vez no Brasil, talvez no mundo, uma universidade aceitava um romance como tese de doutorado. Com Lição da noite recebeu o prêmio de melhor romance de 1998 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
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