10 de ago. de 2010

Nacos de Necas & Outras Histórias - 05

1

O desejo morava na mesma rua.

O menino não sabia exatamente o que era o desejo, mas sabia o que

sentia. E o desejo era uma mulher com cheiro de flor, corpo de sonho e boca falante:

– primeiro tem que crescer

– pôr barba na cara

– arrumar dinheiro pro vinho

– aí sim eu sou tua.

Nesse dia o menino não conheceu as carnes do desejo. Conheceu

apenas as suas exigências.


2

E o menino cresceu.

Pôs barba na cara.

Arrumou dinheiro pro vinho.

– Agora sim você é minha!

Mas broxou de tanta ansiedade.

Nesse dia o menino crescido não conheceu os delírios do desejo.

Conheceu apenas as suas limitações.


3

No meio da caatinga ele viu a torre.

Nada mais havia na caatinga além da torre.

A não ser uma bela rapariga de longos cabelos cor de cobre no alto da torre.

Ele pediu pra linda rapariga jogar seus longos cabelos. Pra ele subir. E ela jogou.

Lá em cima, ele percebeu que os longos cabelos cor de cobre da linda

rapariga eram peruca.

E que os seus peitos eram de silicone.

E que tinham os dois a mesma coisa entre as pernas.

– Mas que diacho é você? – ele perguntou.

– Sou o seu sonho mais louco – respondeu a rapariga.

E eles então, como é natural, viveram felizes para sempre.


4

Uma vez se cansou de casa e caiu no mundo.

Mas o mundo também cansa – e ele de novo em casa.

As fronteiras porém se apagaram.

Em casa mora no mundo.

E no mundo está em casa.


5

Numa sacola de supermercado ele guardava verbos

recolhidos aqui e ali.

Pra usar no momento oportuno.

E o momento oportuno se apresentou sob a forma de discurso numa

noite de festa.

Atrás do microfone, o homem disfarçou e enfiou a mão na sacola pra

pescar o verbo mais apropriado e o verbo que veio na ponta dos seus

dedos foi calar.

Não houve discurso naquela noite, nem aplauso – apenas um silêncio que ainda hoje se escuta nessas ocasiões.