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1
O desejo morava na mesma rua.
O menino não sabia exatamente o que era o desejo, mas sabia o que
sentia. E o desejo era uma mulher com cheiro de flor, corpo de sonho e boca falante:
– primeiro tem que crescer
– pôr barba na cara
– arrumar dinheiro pro vinho
– aí sim eu sou tua.
Nesse dia o menino não conheceu as carnes do desejo. Conheceu
apenas as suas exigências.
2
E o menino cresceu.
Pôs barba na cara.
Arrumou dinheiro pro vinho.
– Agora sim você é minha!
Mas broxou de tanta ansiedade.
Nesse dia o menino crescido não conheceu os delírios do desejo.
Conheceu apenas as suas limitações.
3
No meio da caatinga ele viu a torre.
Nada mais havia na caatinga além da torre.
A não ser uma bela rapariga de longos cabelos cor de cobre no alto da torre.
Ele pediu pra linda rapariga jogar seus longos cabelos. Pra ele subir. E ela jogou.
Lá em cima, ele percebeu que os longos cabelos cor de cobre da linda
rapariga eram peruca.
E que os seus peitos eram de silicone.
E que tinham os dois a mesma coisa entre as pernas.
– Mas que diacho é você? – ele perguntou.
– Sou o seu sonho mais louco – respondeu a rapariga.
E eles então, como é natural, viveram felizes para sempre.
4
Uma vez se cansou de casa e caiu no mundo.
Mas o mundo também cansa – e ele de novo em casa.
As fronteiras porém se apagaram.
Em casa mora no mundo.
E no mundo está em casa.
5
Numa sacola de supermercado ele guardava verbos
recolhidos aqui e ali.
Pra usar no momento oportuno.
E o momento oportuno se apresentou sob a forma de discurso numa
noite de festa.
Atrás do microfone, o homem disfarçou e enfiou a mão na sacola pra
pescar o verbo mais apropriado e o verbo que veio na ponta dos seus
dedos foi calar.
Não houve discurso naquela noite, nem aplauso – apenas um silêncio que ainda hoje se escuta nessas ocasiões.