8 de ago. de 2010

Especial Dia da Poesia n'O BULE

Por Larissa Andrioli
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Lâmina
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A ponta afiada percorre
leve
a pele em febre
trêmula
suave, a ponta dilacera
rasga
abre
um mundo
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e quente, pegajoso
escorre, doce
a dor –
tão não-dor –
nas entranhas
o sal nos olhos
o agridoce no ar
o minuto-surdez
a areia na garganta
que grita: mais!
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mais fio
mais ritmo
mais
e sempre
sempre mais
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gozo
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Tríade
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Gota que desliza
entre duas perfeições.
Tríade exata.
Seios delicados
que entre dedos abrigo,
contrastam agora
com outro elemento –
nosso efeito.
Onde maior beleza?
Num átimo,
a língua
o sal
impasse desfeito:
da gota ao seio
do seio ao gozo.
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Teu corpo
no meu corpo.
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Larissa Andrioli nasceu em 1991 em Juiz de Fora, MG, e lá cresceu, mas não pretende morrer lá. Cursa Letras na UFJF e dedica-se integralmente às várias vertentes da vida universitária. Quase tudo que escreve está no http://cahier002.blogspot.com e enche muita timeline no @larissandrioli.
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Por Sylvia Beirute
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Cidade-Ponto
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-----------------{ao tiago gomes, com amizade}
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não escrevi um livro em miniatura sob uma lupa falsa.
não pedi qualidade aos clássicos.
não pretendi reparar a eficácia de qualquer sistema humano.
não endossei poemas porque os poemas não são cartas.
não tenho um cativeiro de poetas.
não visitei cidades-poema.
não segui preceitos que se vejam.
não azuleci por pertencer ao céu.
não tive ilusão e coragem para crer na desistência.
não escrevi que o fingimento pode ser um ódio com casca.
não tenho maneiras puramente estéticas.
não tenho processos literários.
não tenho dois corações.
não li masaoka shiki ou matsuo bashō.
não li a crítica para não perder a liberdade e o meu
dom impreparado.
não peguei no tempo e o atirei para dentro do corpo
como células estaminais.
não escrevi sobre a revolução industrial.
não respeitei o meu passado enquanto índice temático.
não estimulei diagnósticos de subtileza grosseira.
não recuperei emoções com a cabeça.
não coloquei questões delicadas no campo da poesia suprema.
não transferi permissões de mim para mim.
não imaginei versos paralelos para prender significados.
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Pudor
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o leitor não deve saber que resisto
à fragilidade de ocultar a razão, que as
modas me recebem
pela cintura, que cortei o cabelo,
ou que estive em são paulo
com 36 graus.
o leitor deverá saber, para que lhe
percorra a extensão do iodo da sua leitura,
que estou clinicamente só e que
o meu fim espera num marsúpio
entre o compromisso e a morte,
e a vida que me resta
flutua num passado convulsivo.
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Sylvia Beirute é natural de Faro, Portugal. Estuda cinema e teatro e nasceu em 10 de Dezembro de 1984. Escreve poesia e teatro para mudar o seu mundo e diz-se a favor do Acordo Ortográficona versão de 1945. Integra o grupo literário texto-al (www.texto-al.blogspot.com)e é autora do blogue "uma casa em beirute" (www.sylviabeirute.blogspot.com). Tem colaborações dispersas em revistas literárias de Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. Bloga em http://sylviabeirute.blogspot.com
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Por Márcia de Souza Luz Freitas
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No grupo escolar
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Um dia, na infância das latas de banha, do toucinho, da gordura de porco
e da cartilha de alfabetização,
descobri que soja, diferentemente de Sandra e sangue,
era uma palavra que poderia ser escrita no quadro-negro da 1ª série.
Mas eu não fazia ideia alguma do que significava soja.
Foram precisos muitos anos de estudo
para eu entender o conceito de padrão silábico!
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Liberdade
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Agora vou amá-lo assim
como pássaro em migração.
O tempo faz buscar novos alimentos.
Intuitivamente fica a certeza da volta.
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A vontade mesmo é de ser passarinho preso na sua gaiola.
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Tempo de amar
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Há coisas que não se dizem.
Soam feias.
Não digo, por exemplo, “amo-te”.
Não sei amar assim, de forma enclítica.
Quero um amor de mesócliseo tempo inteirono tempo presente.
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A Gramática e o cotidiano não deixam.
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Márcia de Souza Luz Freitas - Mineira de Carrancas, é professora de Língua Portuguesa na Universidade Federal de Itajubá. Antes lecionou por onze anos na Fepi – Centro Universitário de Itajubá. Já participou de várias antologias e, recentemente, publicou seu primeiro livro de poemas “Hora Certa”. Bloga em http://marcialuzmg.blogspot.com/
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Por Diogo Antonio Rodriguez
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Sunburst
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Estavam arroxeados os arredores do palco
Luz sólida, um certo verde
Música desencaixotada ficando próxima
O prateado zuniu,
desperto de um sono incômodo
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Apoiado sobre pernas, um violão
fazia luz e iminência,
coceira no ouvido,
solidificava-se o quase acorde
[em meus braços
O silêncio era seu
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Pés balançavam invisíveis e nus
O roxo e o verde fizeram demasiado peso
O violão rangia em minha gengiva
Aço sobre pele, sobre tímpano
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O estampido de meu olhar recalcitrante
fez desmoronar palco, roxo sólido,
prateado-navalha;
não consigo ouvir, afinal
Só tenho uma frágil ideia:
Um leve balançar de pés
e a paz redentora das cordas afiadas
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Diogo Antonio Rodriguez - 26, jornalista e cientista social. Trabalha com repórter on-line da Trip. Já escreveu para revistas de história e café, trabalhou em ONGs, na Bienal de Arte de São Paulo e foi intérprete inglês-português. Espera terminar de escrever um livro-reportagem sobre música e um dia publicar um de poemas. Mora em São Paulo, SP. Bloga em http://azulouverde.blogspot.com/
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Por Sonia Regina
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podes não ser rebanho
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desapareceram as estrelas e pouco te faz crer que existiram.
ver já não te basta, a contemplação ruiu.
temperaturas amenas desistiriam deste tempo, se pudessem
desvincular-se do sol
a umidade atingiu a ficção, tudo ficou velho e bolorento
tens escárias, tua dor tem cheiro ruim
e ocultá-la não impede o odor que se alastra
eventos fatais são imprevisíveis e o poético não é sinal de profecia.
portanto, desiste das palavras que têm função:
estão contaminadas por uma destinação secreta que fracassou
exuma esse peso biográfico que te acompanha e transforma,
deixa para trás a publicidade fúnebre da criança que ainda te ronda:
há mais que simulações de felicidade, a maldade é coisa da mente
e a mitificação da dor do artista é estratégia do poeta.
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Sonia Regina - Carioca, a poeta e escritora é também psicóloga e professora. Na web é editora da revista literária Letras et Cetera e do periódico Laboratório da Palavra. Prefaciou 10 Rostos da Poesia Lusófona [All Print, São Paulo, 2008] com organização do poeta português Fernando Oliveira e o livro de Conto e Poesia de Jorge Xerxes: As Cinquenta Primeiras Criaturas [Multifoco, Rio, 2010]. Escreveu a Nota Introdutória da Antologia Poética Amante das Leituras [Portugal, 2009]. Publicou um livro bilíngue de poemas: Uitzilim. Rio de Janeiro: Letra&Cia, 2003.
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Por Sueli Aduan
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Bater de Asas
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Na rua o garoto viu:
o pássaro,
a árvore,
o pássaro na árvore
a vida na folha.
No beco do bairro,
na sua rua,
O garoto viu:
a navalha,
o corpo,
a navalha dentro do corpo
a morte na vida.
pássaro,
árvore,
corpo,
navalha.
na sua frente,
na sua mente.
bater de asas
morte e vida
sueliaduan
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Sueli Aduan (Sorocaba/SP,1955) É escritora. Publicou Dão,Dão Trabalho e Solidão, Ottoni Ed. Doces Olhares ATS/Sorocaba. É Profª. e Oficineira de Literatura- Secretaria de Estado e Cultura, Oficina G. Otelo, Colunista da Revista http://www.imaginariopoetico.com.br/ Bloga http://oficiodeescrever.blogspot.com; e-mail ssaduan@yahoo.com.br
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Por Edson Costa Duarte
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As geografias me cansam
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As geografias me cansam,
Roma. Paris. Barcelona.
O câncer dos dias.
Todas as fomes do corpo
em fila indiana
até o nunca.
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As geografias me cansam.
Nem mesmo A Sagrada Família, de Gaudi
(a alma saindo pela garganta),
é suficiente o bastante
para acabar com
a tediosa monotonia
de Barcelona.
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Estar vendo o mundo
na contracorrente
(numa Veraneio de dois lugares)
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As luzes. Um cachorro
perdido. O vento esticado
da meia-noite às cinco.
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Depois uma esquina.Viro à direita.
Quatro pessoas. De mãos dadas. Dois casais. Penso.
Depois a lua.
Uma árvore que passa. Passa e é sempre
a mesma multiplicada
em espécie e matéria.
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As geografias me cansam.
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Depois uma esquina
a mais. Uma outra
e enfim o mar.
O mar nesse insuportável calor de um sábado
na cidade de Vitória, Espírito Santo, no Brasil.
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Depois o mar no
movimento eterno
do vai e vem da água...
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E nem há tempo
mais para o teu vício
do tempo. Tudo pingando.
Coqueiros. Luzes.
Sol e lua
se misturando.
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As geografias me cansam.
Novembros. Outubros. Dezembros.
Tudo é. E passa
sem que eu consiga
tocar nessa
insensata e sedosa
pele do tempo.
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Depois. O respirar
mais fundo.
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As geografias me cansam.
O ontem. O sempre.
O atum. O ogro. A ostra.
O nunca. O ali. O acolá.
A náusea
devastadora e asfixiante
do tempo e do espaço.
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A textura do azul.
O compasso da música.
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O idílio sonhado
desses amores apodrecidos
antes de chegarem
à minha boca.
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Tudo isso me cansa.
O vômito. O tédio dos
dias. O acordar sempre
do sono. No mar. De novo. Nesse movimento
cíclico
de água
de pedra
de areia
de vapor
e o medo
de ser outra coisa
que não o informe.
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As geografias me cansam.
Embora haja os coelhos
(num nublado dia de inverno)
correndo no aeroporto
Charles de Gaulle.
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Depois.
Depois a guilhotina
da morte te esperando
estreita e cortante
na próxima esquina.
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As geografias me cansam.
E é por isso que sempremudo.
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Mudo e me ausento.
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Edson Costa Duarte - Bacharelado em Letras e mestrado em Teoria Literária na Unicamp, e doutorado em Teoria Literária na Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutor pela Unicamp, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, departamento de História, com trabalho intitulado “O alto e o baixo na prosa de Hilda Hilst”, sob supervisão do Prof. Dr. Jorge Coli. Site: http://duarteazul.no.comunidades.net/