28 de jun. de 2010

O livro vai acabar (de novo) ou o sexo dos anjos - Malagueta # 5


É um dos temas em voga no mundinho literário. Cedo ou tarde, O BULE iria tocar na questão, que é vasta e repleta de nuances; não será hoje que será exaurida e não tenho a pecha de fazê-la, apenas a lanço aos nossos leitores, e que atire o primeiro mouse aquele que nunca ouviu a expressão apocalíptica de que: “O livro vai acabar.” – ou alguma variação da sentença. Vamos, atire... Ouvimos isso desde meados dos anos 90, proclamada por entusiastas dessas tecnologias, seus inventores, de editoras e escritores que “compraram a ideia” como Stephen King[1]. Eu, um fã de todo tipo de traquitana modernosa, sempre acompanhei as notícias e novidades sobre o desenvolvimento dos e-books, achava incrível a possibilidade de ter um Moby Dick, Guerra e Paz, Ulysses e outros, em alguns bytes alocados num aparelhinho do tamanho de uma carteira. Seria o máximo, não seria? Seria. Sempre que uma novidade surgia, uma dificuldade também aparecia a cada passo dessa evolução dos aparelhos que prometiam mudar a maneira do mundo ler. E ainda assim os ecos quase mântricos do fim do livro permaneciam, eu me perguntava justo o contrário: O e-book seria capaz de se afirmar?
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Assim como ocorreu na evolução dos telefones celulares, os primeiros e-books eram tão pesados ou mais que seus irmãos de celulose, além de desconfortáveis, possuíam baterias de curta duração, legibilidade deficitária por conta da luminosidade das telas... Enfim, em comparação direta com os livros não possuíam vantagem alguma a não ser a novidade; então, para que por de lado um objeto, que em pouco mais de cinco séculos revolucionou a maneira da humanidade disseminar, armazenar, preservar o conhecimento produzido por e transmitido a ele e que foi fundamental para estarmos aqui debatendo tudo isso? Por quê? Não havia, mas mesmo assim as tentativas continuaram, já que é quase impossível frear o ímpeto do desenvolvimento humano. Um relativo silêncio se fez nos anos seguintes – era o início de uma revolução paulatina e silenciosa. As editoras começaram a disponibilizar versões digitais de alguns livros impressos – primeiro capítulos, depois livros inteiros; iniciativas como o Projeto Gutenberg (iniciado ainda nos anos 70!), e, sem dúvida alguma, o disseminador mor da leitura online: a criação do formato .pdf, pela Adobe, por ser um padrão aberto capaz de ser lido sem adulterações e sem muitas dificuldades nos computadores e dispositivos portatéis. Essas atitudes e inovações, aliadas a tanto outros fatores, possibilitaram um novo olhar e discussões sobre a posição do livro diante das facilidades proporcionadas pela vida digital – era natural que o mundo-livro também migrasse para o informático, além de se tornar estratégico e vital para editoras e livrarias estarem online: suas receitas agradecem, o livro é um dos itens mais rentáveis na web. Aliado a isto, os sites e blogs proporcionaram certa revitalização do interesse da leitura e da escrita e se tornaram um novo espaço de produção literária das mais diferentes formas, gêneros, conteúdos, temas, etc. Quantos novos escritores não começaram online antes de ter seu livro impresso? Quantos blogues coletivos (ou não), pretensiosos (ou não) de literatura não se utilizam das ferramentas da web para divulgar o trabalho de seus artífices e de outros como uma forma de “furar” o complexo processo editorial de seleção de novos autores, e assim chamar a atenção para quem quiser? Quantas revistas literárias virtuais existem e são tão relevantes quanto às impressas?

É inegável a crescente influência que a leitura/escrita na internet vem exercendo na vida literária e na cadeia produtiva do livro. Para o bem e para o mal. Bem, porque parece ser algo ainda democrático permitindo a mim ou a você criar espaços virtuais e nele escrever o que quiser como quiser e para quem quiser ler – gratuito ou não. Mal, porque isto, por mais estranho que possa parecer, banaliza o ato de escrever, pois a extrema liberdade de meios também permite a mim e a você afirmar o que quer que escrevamos seja literatura e por consequência ser escritor, fazendo com que as editoras se tornem ainda mais seletivas e criteriosas ao buscar um novo autor – mas isto não é o mérito desse texto.
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Independente disto, há-de se afirmar que lemos mais do que antes diante das telas de computadores, readers, PDA’s, celulares – esse é o caminho que a leitura está seguindo. Com essa tendência o termo e-book volta à baila, porém dessa vez modificado – não há mais intenção implícita de suplantar o livro e seu lugar ideológico na nossa cultura e inconsciente coletivo como objeto de extrema admiração e importância. O que acontece agora é uma redução do seu status quo; algo que o cinema, o rádio, a tevê já vinha fazendo há anos e bem devagar, mas os videogames, computadores, iPods e celulares fizeram mais rápido: transferiram o tempo de atenção dos que leem para outras atividades de entretenimento. O fetiche do livro diminuiu em face às outras novidades. Eu não sei quem foi o gênio do marketing que substitui o termo “e-book” por “e-reader” no uso do “aparelho para leitura de livros digitalizados”, mas vejo essa mudança fundamental; pois, realoca o termo no nosso pensamento porque não nos parece oferecer perigo para o livro, mas reparem ainda é o mesmo objeto repaginado, ele agora nos é vendido não como o substituto do livro, mas um novo suporte de leitura, ou seja, o livro é um suporte velho – o livro de fato é só um suporte para leitura? Sobre vários aspectos sim – pensando dessa forma, outra querela é facilmente respondida: blog é literatura? Sim, é. Pois o formato blog é um suporte, como vários outros.
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E em face disto, aquela sentença apocalíptica lá de cima, da qual duvidava, já me faz cofiar a barba num possível: “Será?”. As questões estruturais que atravancavam e geravam desconfiança foram sanadas, hoje os e-readers são tudo o que os predecessores não eram: leves, com baterias melhores que de celulares e com a invenção do papel eletrônico a legibilidade é bem próxima de um livro comum, em suma: eficientes no que prometem. E pensando em marcos históricos, o lançamento do Kindle pode vir a ser o paradigma dessa invasão bárbara às voltas do mundo do livro dessa história toda e o início do declínio de como o conhecemos, as vendas do produto foram surpreendentes – o presente de Natal de 2009 nos EUA –, a compra de títulos idem e desde o seu lançamento (2007) já está na sua 3ª geração e possui uma versão para computadores – apocalíptico, de fato, não? Nem um pouco. Por conta de um episódio simples, que se sanado de outra forma, talvez passasse despercebido da imensa maioria e não jogaria um balde de água fria nos mais entusiasmados: em julho de 2009, por conta de uma ação de direitos de reprodução a Amazon deletou uma edição específica do livro “1984”[2], de George Orwell, à revelia de seus leitores, que criam ter comprado a obra digitalmente. O que acontece é que a Amazon tinha todo o direito de fazer isto, pois em alguma letra miúda do contrato estabelecia que o leitor não comprava a obra, mas sim a licença de tê-la no seu Kindle. Uma nova discussão se iniciou; até onde eu sei, quando eu compro um livro ele passa a me pertencer, até mesmo para jogar fora; com o livro digital será assim? As questões de direito, venda, transmissão, licenciamento, agenciamento são tão iniciais que não vou sequer comentá-las. Fato é que o episódio parecia uma nova derrocada ao livro digital; confesso que de um ano para cá fiquei farto desse assunto, todos os dias saía na mídia alguma nota, número, opinião, o que quer que fosse sobre Kindles, ações editorias e afins, parecia um idílio, todos maravilhados com o brinquedinho da Amazon. As grandes cadeias de jornais, então, nem se comenta, o que perderam em assinantes por conta do tiro no próprio pé por conta dos seus portais de notícias, com os e-readers crescendo no horizonte recuperaram parte dos assinantes, o mesmo pode se dizer das assinaturas de revistas – e com ferramentas como o Issuu e o Digital Editions da Adobe (sempre ela) você mesmo pode criar a sua revista e distribuir para o mundo. E o que falar do iPad? Que não é um e-reader e sim tablet, mas que muito do que é se aplica que foi dito ao Kindle – é melhor assistir.
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É curiosa a posição das editoras nesse momento importante. A princípio elas não estão de lado algum – entusiastas dos E-readers VS defensores da Tradição Impressa –, elas parecem guardar distância da discussão pública mais acalorada e agir nas entrelinhas do debate, para depois tomar as rédeas do discurso. Não querem repetir o erro da Indústria Musical, que não soube como orquestrar essa mudança. Afinal são elas, as editoras, que detém os direitos de produção do conteúdo e com ele não importa se é impresso ou digital, esse conteúdo sempre prescindirá de um avaliador de qualidade e alguém que formate esse mesmo conteúdo para o público-leitor. E o mercado continua em movimento, novos aparelhos chegando e os antigos sendo atualizados, editoras preparando conversões de seus catálogos, novos contratos já contemplando edições digitais, guerra de preços... É inegável que os e-readers chegaram para ficar. Inclusive aqui, em terras brasilis, já temos um e-reader para o mercado nacional e uma loja especializada, respectivamente o COOL-ER da Gato Sabido, as principais livrarias do país já vendem e-books – o conteúdo digitalizado –, a principal editora, também e mais recentemente outras grandes editoras se associaram para criar um distribuidora somente para seus livros digitais (DLD). Sem contar de outras diversas opções de sites/editoras que operam em forma diferente e distribuindo e-books... de graça como a Bookess e a Plus. Muitas dessas ações foram tomadas após o 1˚Congresso Internacional do Livro Digital no nosso país, em São Paulo, onde se discutiu essa nova seara. Debateu-se formas de comercialização, distribuição, autoria/pirataria – que é uma questão muito importante, mas que fica para um próximo artigo. E quando os homens de gravata falam em preço, confiem, é porque perderam a maioria dos temores e já calcularam partes do risco: o e-reader é um processo inevitável. Eu acompanhei o evento via twitter e principalmente para acompanhar a fala de Cláudio Soares, do site Pontolit, um dos maiores divulgadores dos e-books atualmente.
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Para os escritores – principalmente iniciantes - o livro digital irá representar uma grande possibilidade de ser publicado mais rapidamente, dado o baixo custo de todo o processo, apenas temo como será essa forma, o segmento digital poderá torna-se uma espécie de limbo àqueles que conseguiram alguma visibilidade para transpor os blogs literários e afins, mas que ainda não migrou para o impresso, ficando no entre-lugar da publicação apenas digital, aguardando uma chance no papel. E o principal afetado, o livro impresso, qual a parte que lhe cabe nesse latifúndio? Esperando na estante a morte certa em alguma prensa hidráulica? O estatuto do livro foi atacado no avanço do e-reader, falam-se das vantagens do aparelho como a portabilidade – os leitores de livros técnico-científicos, você estudante de medicina não irá mais levar os dois volumes do Sobotta ou do Grey's Anatomy na mochila sem correr o risco de uma escoliose ao ficar de lá pra cá – convenhamos, nem todo livro oferece uma portabilidade confortável. Para um editor, que avalia e escolhe obras também é indispensável. De fato, nesse sentido a praticidade é inegável, mas também de que adianta você ter a biblioteca de medicina inteira se não lerá nem metade deles ou mesmo consultá-los? Que o livro ocupa muito espaço e em tempos atuais é quase impossível manter um local dedicado aos livros em casa com muito esforço, todos sabemos, mas isso basta para aposentá-lo? No caminho de buscar argumentos que validem a maior aceitação do e-reader, levantou-se uma questão pouco tocada: o impacto ambiental da feitura do livro, agora estas são acusadas de desgastar em demasia meio ambiente. O golpe foi sentido, tanto que a Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica) prepara um dossiê afirmando o contrário.

Em defesa do livro impresso, há um argumento forte coma a sua idade: é muito fácil usar um livro tradicional. Se pudéssemos trazer um leitor do século xv para os dias de hoje e colocássemos um livro diante dele e disséssemos: “Leia” ela não só reconheceria o objeto como um livro, como estaria 100% instrumentalizada para manusear um livro. E você, hoje? Se lhe oferecessem um iPad, um Kindle, um Sony-reader e lhe pedissem para ler o “Alice no País das Maravilhas” que esta ali dentro em algum lugar, como você o faria sem um manual? O livro não ficou quieto enquanto o e-reader avançava nas mentes das pessoas, ululam no mercado obras afirmando categoricamente que o livro não irá acabar em cinco anos algo construído há cinco séculos, discute-se a questão com calor e nisso vendem... Livros, impressos e digitais.
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Mas afinal de contas, para que serve um e-book se o livro vem cumprindo bem o seu... papel. Onde fica o imaginário do leitor ao que promete oferecer os e-readers com as suas animações de imagens e links ad nauseam? Não sei nenhuma dessas respostas, mas como curioso e leitor voraz quero ter essa experiência. E o livro vai mesmo acabar? Algum dia sim, por razões várias, mas até lá irá conviver pacificamente com o seu novo irmão caçula, haverá livros que irão funcionar melhor num e-reader, seja por experimentalismo do seu autor (hiperliteratura), opção de mercado, seja por característica física, escolha do leitor, etc. O tema é interessante e tão cheio de minúcias que merecem mais textos e mais debates a respeito e no momento, acho mais interessante experimentar essa nova tecnologia aliada a já conhecida de ler um bom livro, ao invés de dedicarmos muito tempo discutindo o sexo dos anjos e sem saber ao certo onde parar, deixo uma questão ao maior interessado dessa discussão, o leitor, perguntando: num lançamento de um livro digital, onde o escritor autografa o seu exemplar e como?






[1] Em 2000 lançou o romance “Riding Bullet” em formato 100% digital e leitura exclusiva em computadores.[2] Não há como não salientar o irônico do episódio tendo um livro distópico que aborda e critica as formas de controle de mentes e homens.