3 de mai. de 2010

Os colunistas d'O BULE entrevistam Ana Paula Maia



Ana Paula Maia, nascida no Rio de Janeiro, é autora dos romances O habitante das falhas subterrâneas (7 letras, 2003) e A guerra dos bastardos (Língua geral, 2007). Em 2006 publicou o primeiro folhetim pulp da internet brasileira, Entre Rinhas de cachorros e porcos abatidos, transformado recentemente em livro (Record, 2009). Atualmente divide-se entre a republicação do seu primeiro romance em folhetim no site http://www.cronopios.com.br/, a publicação de crônicas em http://www.vidabreve.com/ e os últimos retoques em Carvão Animal, seu romance que conclui a Saga dos Brutos, iniciada com as novelas que compõem o Rinhas. Tem contos publicados em diversos sites, revistas e antologias, entre elas 25 Mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira (Record, 2004), organizada por Luiz Ruffato e Sex´n´Bossa (Mondadori, Itália, 2005). Bloga em http://killing-travis.blogspot.com/


Por Mauro Siqueira

Naturalmente conheci Ana Paula Maia pela sua obra. Seus livros e seu nome sempre rondavam meu ar, no entanto, somente com seu último publicado que fiquei sem fôlego – Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos foi leitura de um projeto de faculdade e que por inúmeros motivos me aproximou da própria autora, seja por e-mails tresloucados, redes sociais, palestras, saraus, bienal do livro etc. O convite para uma entrevista, via Facebook, foi respondido dois dias depois com um “Sim, quando?” muito simpático.

Eram aqueles dias de calor recorde no Rio de Janeiro, o local combinado foi um espaço que reúne um café simpático, algumas salas de cinema bacanas e uma charmosa livraria (e claro, ar-condicionado). Ficamos pelo café... E o que saiu dessa conversa, você leitor d’O BULE, acompanha agora.


MAURO SIQUEIRA – Por que transformar o primeiro livro, O habitante das falhas subterrâneas, em folhetim?
ANA PAULA MAIA – Eu dei uma limpada, sabe? Peguei o espanador e limpei o livro! Mexi em algumas coisas. Eu tinha muita dívida com ele, uma dívida que eu decidi resolver.
MS – Comprei o Falhas na Primavera dos Livros.
AP – Na 7 Letras, né? É eu ia na Primavera dos Livros, mas fui assaltada indo prá lá...
MS – Eu li no facebook!
AP – Foi lindo! [risos].
MS – Você e a Simone Campos. Que punk...
AP – Eu e a Simone Campos… mas só eu que fui, ela não. Ela tentou me ajudar ainda, mas não deu... foi um duelo travado...
MS – Você encarou o cara!?
AP – É..., não, porque foi de supetão, achei que fosse algum amigo. Veio por trás assim e puxou a bolsa; eu achei que tava brincando, estava descendo a escada do metrô; a reação foi puxar. Aí, depois o segurança disse “Olha, nunca reaja”, “Mas moço, não sei o que que me deu, a reação foi ‘OHH, OHH!’” .Parecia um cabo de guerra, aquela coisa. Eu e a Simone para cá, o garoto para lá. Ele não tava armado, né. Se tivesse armado ele ia chegar e “Passa a bolsa!”
MS – Pivete, para trocar por drogas.
AP – É, mas porque era Natal né? Aí os ladrões querem um tênis novo, um celular novo...
MS – Às vezes nem é pra eles... às vezes é pra mãe... [risos]
AP – [risos] É... rouba as pessoas pra confraternizar no Natal. Tava todo limpinho, arrumadinho, enfim. Eu acho engraçado, ladrão deve ter o corpo fechado, porque nessas horas eles correm e carro não atropela...
MS – É o anjo da guarda estranho...
AP – Eu ando olhando às vezes as bolsas das pessoas e penso “Se eu pegasse aquela bolsa e saísse correndo?” Olha, estou com essa paranoia, tenho que parar com isso. Mas aí eu avalio “Se eu pegar aquela bolsa alguma coisa vai acontecer comigo?” Eu acho que vou tropeçar, cair, me esfolar!
MS – [risos] Eu tenho uma coisa, assim, parecida: tem lanchonete? Eu tenho a maior vontade de ver alguém que está vindo com um Mclanche feliz, assim... e dar um tapa por baixo e derrubar.
AP – De onde será que vem essa pulsão?
MS – Não sei...
AP – É um tipo de pulsão ruim! Ela é ruim! Eu ando muito querendo roubar uma bolsa! [risos] Se acontece de me pegarem?
MS – É “laboratório”, você grita “Sou escritora!”.
AP – É engraçado que têm umas coisas que traumatizam, né? Mas eu tenho esses pensamentos... dá vontade, sabe? [risos]
MS – Dá? [risos]. Essas pulsões violentas são normais, eu acho...
AP – Eu tenho isso desde criança...
MS – E catalisa nos livros?
AP – Cataliso nos livros! É, é um lugar pra colocar, acho que é por aí. Minhas brincadeiras sempre terminavam comigo sangrando, sabe? [risos] Era um ímpeto, eu parecia uma onça! Depois foi acalmando, acalmando, acalmando.
MS – Até que encontrou os livros…
AP – Aí encontrei os livros, ficou só na Literatura.
MS – Assim é melhor! [chegam nossas bebidas] Eu pensei que você viesse com sua blusa do “Chuck Norris”. [risos]
AP – [risos] Pois é, eu viria com ela se estivesse calor, porque era uma camiseta! Eu ganhei e é tamanho M e eu tinha pedido P, a baby look, então é grande, né?
MS – É, eu vim de preto, eu cometi essa besteira. Saí apressado de casa, no ponto eu já tava suando, já.
AP – É, é muito difícil, é muito difícil esse calor. Eu acho que ser escritor no Rio de Janeiro é uma vitória! [risos]
MS – Então é por isso que os gaúchos escrevem mais que a gente!
AP – Eu também acho. É por causa do clima, porque tá absurdo, têm dois dias que não consigo pegar no [novo] livro... eu olho pra ele, eu vou... Não vou não. [risos] Escrevi um livro que se passa no inverno, pelo menos lá tá frio. E aqui não tá!
MS – Eu tenho uma rotina de escrita não tão disciplinada, mas há épocas que eu gosto de escrever... verão, decididamente, não rola. Esse livro [apontando para o meu, que ofereci a Ana] eu escrevi, basicamente, no outono.
AP – Eu também escrevo nesse período, nunca escrevi no verão... não, o Habitantes eu escrevi. Foi nas férias da faculdade, eu só tinha dezembro, janeiro, comecinho de fevereiro; nesses dois meses e meio. Mas assim: “pingando” e ainda era aquele período do... [baixando voz tentando lembrar a palavra] ...racionamento.
MS – [Risos] Do apagão? Do primeiro apagão?
AP – Isso, do racionamento... 11 de setembro. Foi naquele momento acho, não foi?
MP – Foi, foi.
AP – Então, eu escrevia com as gotas, escorrendo, assim. Minha cabeça ficava molhada. Aí eu escrevi em 2 meses e meio esse livro, escrevi muito rápido. Mas suando e suada.
MS – Eu não imagino escrever em dois meses e meio nada!
AP – Eu também não, hoje em dia. Só foi porque eu acho que estava engasgada, já tava pronto. Mas agora tudo está indo mais devagar.
MS – Mais trabalhado ou mais pensado?
AP – Mais pensado, Carvão Animal escrevi em seis meses... Tem gente que ainda acha que eu escrevo devagar.
MS – É mesmo?
AP – Uma página e meia por dia, aí tinha dia que eu tinha que fazer pesquisa. O livro é mais pesquisa do que às vezes escrevendo, né? É muita pesquisa.
MS – Pois é, né? No Rinhas por exemplo assim?
AP – No Rinhas mais a segunda novela, O trabalho sujo dos outros, foi mais pesquisa.
MS – Mas acho que não existe abatedor de porcos...
AP – Abatedor? Existe abatedor de porcos! E o Brasil é o principal abatetor de bovino do mundo. Sabia?
MS – Não, mas eu quero dizer sobre “abater” dessa maneira mais artesanal.
AP – Olha, isso existe ainda, mais assim no interiorzão. E como o livro se passa no interior...
MS – Minas Gerais?
AP – Vai descobrir no próximo livro. [riso maroto]
MS – Ah, legal, eu gosto de procurar essas marcas assim pra me situar.
AP – No próximo livro eu vou falar onde é.
MS – Não tinha, né?
AP – Não tem.
MS – Podia ser tanto na Baixada Fluminense quanto no Acre.
AP – Como pode ser no interior da Irlanda também, porque têm abatedouros lá.
MS – Acho que a única marca geográfica que não pode ser deixada de lado é o pai do Gerson que torce para dois times de Minas Gerais.
AP – Uberlândia e Ipatinga. Mas são aqueles campeonatos que passam também em qualquer canal. Você pode assistir aqui.
MS – Isso, é. Como na Irlanda, também. [risos]
AP – É, porque o cara que vai parar para ver Ipatinga versus Uberlândia... é... nada né, nada.
MS – É, deixa eu perguntar aqui com minha sombra de pauta, que eu não sou jornalista...
AP – É grande, hein, é acareação! [risos] Eu vou ler a entrevista do Nelson Oliveira.
MS – Foi bacana. Eu acho que a gente conseguiu um furo, cara. É, porque ele disse que está finalizando a antologia Geração 00.
AP – É eu tô nela. [muitos risos]
MS – Ahhh!!! É óbvio que eu imaginei que você estaria nela. [mais risos]
AP – É, eu mandei meu conto, eu sou uma moça muito disciplinada. O prazo era dia 31. Javalis no quintal. Um conto sobre caçadores de javalis.
MS – É o quarto livro?
AP – Carvão Animal.
MS – Fala de problemas de mineradores e carvoeiros.
AP – Fala de viver na escuridão... Engraçado que Carvão Animal fala também das 3 formas de carvão. Carvão animal é o principal e é combustível. No livro, como é uma trilogia, você sabe onde passam as três histórias. O Edgard Wilson aparece 10 anos antes, porque o Carvão Animal se passa dez anos antes do Entre Rinhas. O Entre rinhas e O trabalho sujo se passam na mesma época. E aí, esse se passa 10 anos antes. No momento do novo livro, o Erasmo Wagner tá preso. Eu digo que ele matou alguém na cadeia.
MS – Cara, eu acho o Erasmo Wagner tão humano...
AP – Eu adoro o Erasmo Wagner, eu adoro o Erasmo Wagner!
MS – Eu gosto muito, também.
AP – E nesse tem o Ernesto Wesley, porque eu tenho que manter a tradição do EW, né?
MS – E há alguma referência como nos outros. Talvez eu até consiga puxar alguma coisa.
AP – Não, Ernesto Wesley, não. É porque vai chegando a uma escassez também, né?
MS – Você constroi o personagem, faz ficha, batiza... um mapinha...
AP – Não, não [risos]... Ele vem. Eu chamo e ele vem. [risos] Ele Vem!
MS – “Ele vem” é ótimo! “Dona Ana Paula Maia Xavier!” [risos]
AP – [risos] Eu penso...Tipo: quem é esse sujeito? Bom, o Ernesto Wagner e Ronnie Von foram os dois primeiros, né? Aí eu ficava olhando se ele tinha a cara de Ernesto mesmo. É uma cara grande, esse é o maior, maior que o Edgard Wilson.
MS – Nossa Senhora. Eu já imagino uma mistura de Tony Tornado com Roberto Bonfim.
AP – É um cara graaande e desafiador. Assim, sabe [fazendo gestos com os braços]. É um cara grande.
MS – [risos]
AP – E o Edgar Wilson tem 23 anos mais ou menos, é um garoto, né?
MS – No Carvão Animal ou já aqui? [aponto para o exemplar do Rinhas]
AP – Aí eu explico por que que o Edgar Wilson gosta de olhar pro céu... o que que ele fazia antes de ser abatedor de porcos...
MS – Legal... tô começando a curtir. Aí Edgar Wilson é por causa do Paul Auster ou por causa do Poe?
AP – É por causa do Histórias Extraordinárias. Por causa do Conto. Que eu adoro...
MS – Também gosto muito.
AP – O Edgard Wilson foi o primeiro que surgiu... mas eu tenho que parar com ele, chega. Deixar ele em paz. E o conto, naquela coletânea Todas as guerras do Nelson [de Oliveira], não sei se você chegou a ver...
MS – Eu vi, tenho, mas não li ainda.
AP – É o Edgar Wilson.
MS – É o Edgar Wilson! [risos]
AP – Era um soldado americano, aí eu coloquei Edgar Ryan Wilson.
MS – [risos] É bem nome de americano mesmo, com nome do meio abreviado...
AP – Ele é um personagem muito interessante.
MS – Eu senti um Edgar Wilson meio “Wolverine”, assim... passeando por várias épocas...
AP – Épocas e tal... mas agora tem que parar, né? Tem que dar uma “embolsada” no Edgar Wilson...
MS – Deixar ele dormir um pouco.
AP – Ele até pode voltar, morrer não.
MS – E o Rinhas, você lançou na internet primeiro, folhetim... uma coisa nova, porém velha, meio século XIX. Queria testar o leitor antes? Testar caminhos?
AP – Nada! Sabe o que aconteceu? Eu não tinha nada pra fazer e estava com o livro. Tinha história, tinha sido publicado um trecho dele na Itália, numa antologia chamada Sex’n’Bossa...
MS – Ahan, conheço. Editora Mondadori, né?
AP – É.
MS – Então, o primeiro Rinhas na verdade é italiano, né?
AP – Primeiro o Rinhas se chamava Não se deve meter em porcos que não te pertencem.
MS – Que é um dos trechos que eu mais gosto do livro... Essa coisa, você é “escritora 2.0”? Não se importa com sharing.
AP – Não, 2.0 total. Já pus livro na web.
MS – É, né. Não se importa com...
AP – Eu ia botar o Guerra, mas o Guerra ainda tem contrato, né? Então eu não pude botar. O Guerra ia virar folhetim.
MS – O Guerra ia ficar muito bacana como folhetim.
AP – Ai eu decidi pelo Falhas que é só meu, que foi só um contratinho de 6 meses... Totalmente 2.0, ficar retendo obra. Né?
MS – É... [risos]
MS – Falam muito do caráter realista, às vezes hiperreal dos seus textos, mas eu acho bacana como o fantástico e o sublime aparecem, por exemplo, no Rinhas...
AP – [séria] Na trilogia dos brutos, existe o elemento divino sublimado nas histórias... Quem carrega esse elemento ou essência que norteia os homens (personagens) são os animais. No Entre rinhas, são os porcos e um cão de rinha chamado Chacal. N’O trabalho sujo dos outros, um bode. E na conclusão da trilogia, Carvão animal, vai ser uma cadela.
MS – Ainda tem o Eclipse e aquele bode...
AP – É... os bichos são divinizados e os homens bestializados. É uma inversão de valores, porém não sei se realmente uma inversão... Pois há muito de divino nas bestas e muito de besta nos homens. Os personagens, principalmente das duas primeiras histórias, carregam muito dessa bestialização, pelo fato de lidarem com certas questões violentas. Os animais, as bestas, digamos assim, lidarem com os homens de maneira humana. Olhando nos olhos, submetendo-se, expurgando de pecados, enterrando segredos, resolvendo problemas, etc... Enfim.... é por aí...
AP – Acho que deu né? Eu falo pra Cacilda...
MS – Como eu te falei no início em off: eu gosto de ouvir. É, acho que já deu.

O trecho transcrito aqui n‘O BULE é apenas um recorte da conversa que tive com Ana Paula Maia. A conversa foi longuíssima, mas por razões de legibilidade não poderá ser postada na íntegra. Em breve estaremos disponibilizando disponibilizaremos a versão integral aqui. Fiquem agora com as perguntas, enviadas por email, dos outros colunistas d’O BULE.

Mauro Siqueira


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HOMERO GOMES – Sua trajetória como escritora, para quem acompanhou um pouco, pareceu de ascensão rápida, com publicação em uma grande editora e espaço na mídia constante. Sua percepção é que seu talento foi rapidamente valorizado? Fale um pouco do seu início.
ANA PAULA MAIA – Em agosto deste ano faz sete anos que publiquei meu primeiro livro. Sendo assim, considero que tenho sete anos de carreira. O primeiro balanço importante farei quando completar uma década. Faltam três anos. Meu trabalho tem circulado e algumas pessoas gostam. Outros desconfiam. Uns, acho que não gostam. Quanto mais penso em valorização, ou digamos, reconhecimento que engloba principalmente prêmios literários, imagino sempre que preciso continuar escrevendo. É isso a questão principal da qual não devo me desviar de maneira alguma. O espaço na mídia é um aliado e sempre importante. Escrevi o primeiro livro despretensiosamente. Escrevi o meu quarto livro, Carvão animal (ainda inédito), de forma semelhante. Só que com mais comprometimento, pois ao longo desses sete anos eu criei vínculos com personagens, criei uma cidade fictícia e estou estabelecendo um universo próprio. Falando desse modo, estou falando do meu início. Ainda estou no início.
HOMERO GOMES – Como tem sido sua experiência no Vida Breve, site de crônicas idealizado por Rogério Pereira (editor do Rascunho)? É difícil manter um ritmo de escrita para você? Como você faz, qual a sua rotina de escrita – considerando o blog e o seu trabalho como escritora? Está recebendo bastante retorno?
ANA PAULA MAIA – Escrever uma crônica por semana não é simples. Não achei que fosse, pois tenho um blog e sei como é difícil mantê-lo aceso. Porém, uma crônica não é um post do meu blog. Uma crônica é um gênero literário. Um post do meu blog não é literatura. Retirar algo de literário que esteja ao meu redor toda semana me possibilita um novo desafio que está sendo bom. Por exemplo, as crônicas geralmente escrevo à noite, deitada no sofá, com o notebook em cima da barriga e a TV ligada no volume baixo. Elas saem assim. Os romances precisam de silêncio, estar sentada diante do computador (desktop) e sem interferências. Tenho um bom retorno. E neste momento ainda tem a publicação do meu folhetim no site Cronópios. São 29 capítulos. Já tenho um ritmo de escrita estabelecido faz tempo.
HOMERO GOMES – A sua beleza já lhe causou problemas? Colocam fé em você como literata que é, apesar de seus lábios carnudos? Ou eles até que te ajudam como escritora?
ANA PAULA MAIA – Perguntinha canalha.... Vamos lá! Geralmente o livro vai na frente e eu chego depois (Risos). Quando estou escrevendo, sou um velho barbudo de sessenta anos. E coço o saco. Mas depois sou a moça dos lábios carnudos e dos cabelos ao vento. O meu velho barbudo gosta da moça de bocão. Sendo assim, acho que a boca até ajuda. Mas ainda assim, os outros percebem o velho barbudo e temem implicar com a moça (Risos).


RODRIGO NOVAES ALMEIDA – Ana, você revelou recentemente aos jornais a sua admiração ao escritor J.D. Salinger, falecido recentemente. Fale-nos um pouco mais dele e de que forma ele teria influenciado o seu trabalho.
ANA PAULA MAIA – Salinger influenciou minha maneira de ver literatura. Antes dele, quando comecei a me interessar por literatura, por volta dos meus 18 anos de idade, eu lia clássicos. Literatura do século 19, principalmente. Salinger foi a primeira leitura do século 20 que fiz. Devo dizer que eu lia por obrigação escolar, e que quando me interessei e fui buscar os livros, ele, Salinger foi a primeira descoberta da literatura do século 20. O jorro literário e o despojamento e a exposição das idéias foram as principais influências dele pra mim. Tanto que resultou no meu primeiro romance, O habitante das falhas subterrâneas.
RODRIGO NOVAES ALMEIDA – O que se convencionou chamar de cultura pop e que extrapola os limites territoriais de países (talvez seja mais exato falarmos da cultura estadounidense sendo distribuída pelo mundo) tem que tipo de influência na sua literatura? O cinema e a televisão entram de que forma no seu trabalho com as palavras?
ANA PAULA MAIA – Para mim entra da forma mais positiva possível. Sou a soma de tudo que pude consumir, tanto comida quanto obra de arte. Cinema é obra de arte, quando falo de Akira Kurasawa e quando eu falo da série Desejo de matar, com o Charles Bronson. Na TV, série como Além da imaginação, com os primorosos roteiros do Richard Matheson são preciosidades pra mim quanto o livro O púcaro búlgaro do Campos de Carvalho ou as idéias de mundo como mal do Shopenhauer. São essas algumas das interferências do mundo das imagens, das palavras e das idéias que me alcançam. Essas interferências são filtradas e absorvidas e regurgitadas e voilá.
RODRIGO NOVAES ALMEIDA – Quais os outros escritores contemporâneos brasileiros que você lê?
ANA PAULA MAIA – Campos de Carvalho é quem tenho lido no momento. É que eu leio devagar. Demoro à beça no mesmo autor. Ah, e um livro de contos reunidos do Marques Rebelo.
RODRIGO NOVAES ALMEIDA – Uma última pergunta, importantíssima: Lostmaníaca assumida, como eu, que fim você imagina para a série, que termina este ano?
ANA PAULA MAIA – Eu há anos disse numa matéria especial sobre Lost para o jornal o Globo – que o Desmond Hume vai explodir aquela ilha. E agora que está tão perto, acho que passei perto. Ele é fundamental para aquele lugar. Eu sempre soube disso e ele é um dos meus favoritos. A questão principal para mim agora é: o que vou assistir religiosamente quando Lost terminar? Talvez comece a tomar aulas de banjo ou coisa do tipo. Digo para preencher o vazio. Sou mesmo muito apegada.


GERALDO LIMA – Ana Paula Maia, qual a relação do seu texto com o cinema, mais propriamente o cinema de diretores como Quentin Tarantino (Pulp Fiction), Win Wenders (Paris Texas) e Guy Ritchie (Snatch – porcos e diamantes)?
ANA PAULA MAIA – Esqueceu dos irmãos Cohen. O meu último e inédito romance, Carvão animal, tem um clima irmãos Cohen. É menos sórdido, mais momentos de humor negro e um clima mais interiorano. Minha relação com o cinema é muito profunda. É um ponto alto de influência para escrever. Bebo no cinema, mas encontro conforto na literatura. O cinema é meu amante, mas me casei com a literatura. Gosto de imagens. Gosto de ver e observar. No cinema, isso é o principal. Ver. Quando escrevo, descrevo até o leitor poder ver e não apenas sentir ou imaginar. Gosto que vejam e não apenas lêem.
GERALDO LIMA – Uma das curiosidades acerca da sua atividade literária é de como uma jovem bonita e delicada pode escrever de forma tão primorosa sobre o universo de tipos sujos, feios e maus. Na sua crônica A garganta do ralo, publicada no site Vida Breve, você diz, a certa altura: “Quando tenho engulhos assim o dia todo por causa do churrasco dos vizinhos, eu passo a odiar os vizinhos, o porteiro, o sujeito que roubou a minha bolsa — cujo desejo era vê-lo atropelado enquanto atravessava a rua e suas vísceras coladas no asfalto...” Essa imagem me parece bem forte e verdadeira. Isso explicaria por que você é capaz de escrever sobre o universo desses tipos sujos, feios e maus?
ANA PAULA MAIA – Eu tenho um lado B e ele é sujo, feio e mau. Porém só fica nas palavras, esse lado é impresso em papel e basta. Não é aplicado na vida real. Mas os meus piores sentimentos estão ao lado dos meus melhores sentimentos. Eu penso coisas bem piores do que escrevo. Espero que fiquem apenas quietos, como pensamentos devem ser .
GERALDO LIMA – Até que ponto você acha aceitável a declaração de que você “escreve com voz masculina”?
ANA PAULA MAIA – Eu escrevo com voz masculina.


CLÁUDIO PARREIRA – Tem um contraste aí: como ser pulp e ao mesmo tempo tão sensível? Ninguém se enfia no inferno sem sair queimada.
ANA PAULA MAIA – Dos contrastes nasce algo novo. Talvez esteja aí um estilo literário inédito. Talvez eu esteja começando algo novo. Algo que tenha a ver com um sujeito chamado Edgar Wilson.
CLÁUDIO PARREIRA – Por que a escolha do folhetim como veículo? É uma tentativa de revitalização de um formato ou é apenas estratégia?
ANA PAULA MAIA – Principalmente pelo formato. Folhetim é perfeito para internet, pois a internet dá suporte aos periódicos. Um blog é um periódico. Publicar ficção em fatias é uma boa maneira de publicar textos longos como romances ou novelas.
CLÁUDIO PARREIRA – Bukowski. Quanto dele em você?
ANA PAULA MAIA – Nada. Eu não o leio. Mas adoro o John Fante.


JEAN ROBERTO – Ana Paula, por que você escreve sobre violência, de forma escancarada, sem se preocupar com o estômago do leitor? Você escreve sobre isso por que você observa a sociedade de forma aguda e detalhada? Ou quer comover o leitor?
ANA PAULA MAIA – Não acho que a violência nos meus livros é assim tão escancarada. Eu diria rasgada. Pois a violência que se apresenta nos meus textos está do lado de dentro, ou seja, na alma e no entendimento dos personagens. Só rasgando a pele é que ela pode se desnudar. Escreve sobre o que vejo dentro do universo que criei e estou criando... Sendo assim, esse universo eu detalho e mostro o que é necessário para fazê-lo compreensível.
JEAN ROBERTO – Por que o humor negro em seus livros? Você sempre trata de personagens com instintos psicopáticos? Como aliar o humor a isso?
ANA PAULA MAIA – Eu enxergo o mundo com humor, pois sou uma pessoa bem humorada. O humor sarcástico também faz parte do meu repertório, sendo que a literatura é o lugar em que ele mais se manifesta. Sobre os personagens com instintos psicopáticos, diria que nem todos possuem essa característica. Sinceramente, eu não faço ideia de como alio essas coisas. Deve ser uma maneira particular de ver algumas coisas no mundo
JEAN ROBERTO – “O calor conserva no ar o cheiro podre, espalha ardente desgraça nos últimos dias”. Palavras suas! O que tem a nos assentir sobre esta realidade? Seria uma profecia?
ANA PAULA MAIA – Esta frase abre o primeiro parágrafo do meu segundo romance, A guerra dos bastardos. Faz sentido no livro e realmente faz muito sentido aqui fora, no mundo real.


ROGERS SILVA – Todo aspirante a escritor quer publicar e vender, se não muito, pelo menos um número razoável de exemplares. Mas, paradoxalmente, percebo que pouquíssimos aspirantes a escritor ou escritores iniciantes valorizam os seus pares (outros aspirantes, ou iniciantes, ou escritores desconhecidos). Literatura não vende porque nem os próprios indivíduos que sonham em viver dela compram livros. Embora triste, essa é a realidade. Para você, como conscientizar, primeiramente, os próprios literatos que literatura é mais do que a própria literatura? Acha que é possível dissuadir um indivíduo de comprar um celular de R$ 1.000,00 e instigá-lo a comprar 15 livros e um celular de apenas R$ 500,00?
ANA PAULA MAIA – Acho impossível dissuadi-los. Ao menos não neste momento. Se o trabalho começar agora, pode ser que daqui a trinta anos isso comece a ser possível. Afinal, estamos falando de uma fatia grande da sociedade, certo? Eu ando por aí e vejo que a cultura torna-se cada vez mais rala. Mais baixa. Mais nada. O meu celular custou trezentos reais e funciona. O problema é o funcionamento das mentalidades, a começar dentro de casa. Eles estão realmente cagando pra literatura.
ROGERS SILVA – Segundo Rodrigo Gurgel, num ensaio publicado na edição de outubro de 2009 do Jornal Rascunho, “boa parte da literatura brasileira atual sofre do mal da narratofobia”. Ou seja, no afã de criar algo novo, original, esteticamente válido, os escritores criam obras pedantes, herméticas, artificiais e de leitura difícil, o que afasta o mero leitor mortal dessa literatura. Você como escritora tem essa preocupação, de criar uma obra que não se distancie do receptor da mensagem, do leitor? Ou acha, como muitos, que os leitores no Brasil são os próprios escritores e, por isso, se sente à vontade para criar uma literatura que gira em torno de si mesma, cujo grande protagonista é a linguagem?
ANA PAULA MAIA – Não teria sido o Rodrigo Lacerda* quem disse isso? Lembro-me de ter lido um texto dele sobre o assunto, se não estou terrivelmente enganada. Bem, minha linguagem é simples. Eu escrevo para ser entendida, não para parecer inteligente. Conheço algumas pessoas inteligentes que são escritores medíocres. Nomes não citarei, pois não tenho nada a ver com a mediocridade deles. Falar difícil mascara o vazio do texto, a total falta de assunto, que por hora, ronda uma parte da literatura nacional. A minha principal preocupação como escritora é ser fiel aos personagens e aos seus mundos particulares. Talvez o problema comece não na forma de se escrever, mas sobre o que escrever, para quem e o que se pretende. Essas coisas podem definir parâmetros para o autor de modo até inconsciente.
ROGERS SILVA – De acordo com vários sociólogos e historiadores, alguns traços são característicos da cultura brasileira, entre os quais a valorização do estrangeiro. Para você, isso explica porque entre os 20 livros de ficção mais vendidos de 2010** no Brasil apenas 1 é brasileiro? Ou o buraco é muito mais embaixo?
ANA PAULA MAIA – Isso não acontece só com livros. Acontece também com roupas, calçados, etc. Mas por exemplo, na música, isso já não acontece, pois temos uma cultural musical popular muito forte. Mas não temos uma cultura literária – nem forte, nem fraca. Ela praticamente não existe. Eu concordo com a valorização do estrangeiro em nossa cultura e devo afirmar que depois que comecei a escrever e a me importar com o meu redor, o estrangeiro tornou-se lugar muito distante de mim. Hoje, eu sou muito mais brasileira do que há alguns anos. A literatura me ajudou a valorizar minha cultura e principalmente o povo. Afinal, eu escrevo sobre eles. As pessoas simples e suas estranhas vicissitudes.


* O nome do autor do ensaio é, de fato, Rodrigo Gurgel.
** O símbolo perdido (Dan Brown), A cabana (William Young), O ladrão de raios (Rick Riordan), Amanhecer (Stephenie Meyer), Eclipse (Stephenie Meyer), O Mar de Monstros (Rick Riordan), Lua Nova (Stephenie Meyer), A Maldição do Titã (Rick Riordan), A Senhora do Jogo (Sidney Sheldon e Tilly Bagshawe), Diários do Vampiro 1 - O Despertar (L.J. Smith), Crepúsculo (Stephenie Meyer), Diários do Vampiro 2 - O Confronto (L.J. Smith), O Apanhador no Campo de Centeio (J. D. Salinger), O Menino do Pijama Listrado (John Boyne), Caim (José Saramago), Para Sempre - Os Imortais (Alyson Noël), O Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Stieg Larsson), A Hospedeira (Stephenie Meyer), Os Espiões (Luis Fernando Verissimo).