5 de mai. de 2010

Fernando Pessoa e a Maçonaria


Por Rogério Mathias Ribeiro
- Contra todas as fórmulas do mal, Contra tudo que torna o homem precário. Se és maçon, Sou mais que maçon – sou templário. Esqueço-te santo Deslembro teu indefinido encanto. Meu irmão, dou-te o abraço fraternal. [1].
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Uma das questões mais discutidas pelos pesquisadores do papel do ocultismo na obra pessoana é se Fernando Pessoa foi, ou não, um maçom. Essa resposta poderia ajudar no entendimento de um dos principais mistérios: o ocultismo foi apenas uma fonte de inspiração para o poeta ou foi a base de seu projeto poético? Uma confirmação da participação de Fernando Pessoa na Maçonaria poderia sugerir que os estudos do poeta (que atravessaram sua vida) sobre as ordens iniciáticas e ciências ocultas eram mais do que simples matéria bruta para sua poesia. Não temos dúvidas do enorme interesse do poeta pelos assuntos ocultos. Sua vida e sua obra mostram-nos um enorme conhecimento sobre as ordens, a simbologia maçônica e as religiões antigas. Assim como a maioria dos pesquisadores do papel do ocultismo na poesia de Fernando Pessoa, acreditamos que o escritor foi um iniciado tanto como poeta quanto em sua vida pessoal. - Alguns estudiosos argumentam que há razões para se duvidar da efetiva participação do poeta na Maçonaria. Uma das razões seria o fato de não haver registro da passagem de Fernando Pessoa pelo Grande Oriente Lusitano, única obediência portuguesa de sua época; seria um bom argumento se a loja não tivesse sido assaltada e vandalizada em 1929 e 1935 e em decorrência disso tivesse a maioria dos documentos sido destruída. [2]. As depredações e ataques não provam a participação de Pessoa no Grande Oriente Lusitano, mas tampouco convém acreditar que a única maneira de Fernando Pessoa passar por uma iniciação em ordem secreta ou em ritos secretos seria através da loja em questão; há também a hipótese da participação de Pessoa em outra ordem iniciática que não a Maçonaria. - Antes de completar esse raciocínio, seria relevante abordar o teor do famoso artigo de Pessoa em defesa da Maçonaria, principal argumento usado por aqueles que não creem na filiação maçônica do poeta. - Este trecho abaixo é do artigo que Fernando Pessoa publicou no Diário de Lisboa, no 4.388 de 4 de fevereiro de 1935, contra o projeto de lei, do deputado José Cabral, proibindo o funcionamento das associações secretas, sejam quais fossem os seus fins e sua organização: - “Começo por uma referência pessoal, que cuido, por necessária, não dever evitar. Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente. Não sou, porém, antimaçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma idéia absolutamente favorável da Ordem Maçônica. A estas duas circunstâncias, que em certo modo me habilitam a poder ser imparcial na matéria, acresce a de que, por virtude de certos estudos meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria – parte que nada tem de político ou social –, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto – assunto bel, mas muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo eu, porém, certa preparação, cuja natureza me não proponho indicar (...)”[3] - Não poderíamos esperar que Pessoa se declarasse maçom em um artigo de primeira página de jornal enquanto tramitava (foi posteriormente aprovado) um projeto que estabelecia várias e fortes sanções a todos quantos pertencessem a associações secretas; definitivamente, não seria uma atitude muito inteligente. Além disso, não é permitido a um maçom declarar a sua condição a ninguém, muito menos àqueles que não façam parte da fraternidade. No livro coordenado por Teresa Rita Lopes, Pessoa inédito, temos um escrito de Pessoa que auxilia na compreensão da questão: - “Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem nenhuma. Não podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem pudesse entender, insinuei que a tinha, quando falei de uma preparação especial, cuja natureza não me proponho indicar. Esta frase escapou, e ainda mais o seu sentido possível, aos iledores antimaçonicos. Só posso pois dizer que pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou Templário portuguez. Digo-o devidamente autorizado. E dito, fica dito. (…)”[4] - Sendo assim, Pessoa admite que foi iniciado, e não fica por aí, vai além: declara-se templário português, ou seja, mais que maçom. Ao que parece, o poeta foi iniciado, aprendeu sobre as ordens secretas e tinha conhecimentos que lhe permitiam estudos aprofundados sobre as mesmas. - António Arnaut, em seu Fernando Pessoa e a Maçonaria, levanta diversas hipóteses sobre a iniciação de Fernando Pessoa, inclusive a de Fernando Pessoa ter se transmutado em um iniciado, ou ter se autoiniciado. Jorge de Matos, em O pensamento maçônico de Fernando Pessoa, também não guarda dúvidas da iniciação do poeta, mas de igual forma levanta hipóteses sobre como esta teria se dado – talvez, através do mago inglês Aleister Crowley. Na verdade, é difícil, depois de tanto tempo, saber ao certo como se deu a iniciação de Pessoa, principalmente em se tratando de ordens secretas. Temos de definitivo o profundo conhecimento do poeta sobre o assunto, o qual, segundo muitos pesquisadores e maçons, só poderia ser adquirido por meio de uma participação efetiva em uma ordem ocultista, com a presença de um mestre que lhe auxiliasse a compreender a intrincada simbologia. Pessoa, no artigo do jornal, continua a discorrer sobre a Maçonaria: - “A Maçonaria compõe-se de três elementos: o elemento iniciático, pelo qual é secreta; o elemento fraternal; e o elemento a que chamarei humano – isto é, o que resulta de ela ser composta por diversas espécies de homens, de diferentes graus de inteligência e cultura, e o que resulta de ela existir em muitos países, sujeita, portanto a diversas circunstâncias de meio e de momento histórico, perante as quais, de país para país e de época para época reage, quanto à atitude social, diferentemente. Nos primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçônico, a Ordem é a mesma sempre e em todo o mundo. No terceiro, a Maçonaria – como aliás qualquer instituição humana, secreta ou não – apresenta diferentes aspectos, conforme a mentalidade de Maçons individuais, e conforme circunstâncias de meio e momento histórico, de que ela não tem culpa. Neste terceiro ponto de vista, toda a Maçonaria gira, porém, em torno de uma só idéia – a "tolerância"; isto é, o não impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como entender. Por isso a Maçonaria não tem uma doutrina. Tudo quanto se chama "doutrina maçônica" são opiniões individuais de Maçons, quer sobre a Ordem em si mesma, quer sobre as suas relações com o mundo profano. São divertidíssimas: vão desde o panteísmo naturalista de Oswald Wirth até ao misticismo cristão de Arthur Edward Waite, ambos tentando converter em doutrina o espírito da Ordem. As suas afirmações, porém, são simplesmente suas; a Maçonaria nada tem com elas. Ora o primeiro erro dos Antimaçons consiste em tentar definir o espírito maçônico em geral pelas afirmações de Maçons particulares, escolhidas ordinariamente com grande má fé.”[5] - Nesse trecho, Pessoa faz uma síntese dos principais elementos da Maçonaria, em Portugal e no exterior, demonstra conhecimento de como funcionavam naquela época as diversas estruturas das ordens maçônicas e chega mesmo a enumerar os principais autores citados pelos antimaçons. - “O segundo erro dos Antimaçons consiste em não querer ver que a Maçonaria, unida espiritualmente, está materialmente dividida, como já expliquei. A sua ação social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em função das circunstâncias do meio e da época, que afetam a Maçonaria como afetam toda a gente. A sua ação social varia, dentro do mesmo país, de Obediência para Obediência, onde houver mais que uma, em virtude de divergências doutrinárias – as que provocaram a formação dessas Obediências distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue daqui que nenhum ato político ocasional de nenhuma Obediência pode ser levado à conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode provir, como em geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a Maçonaria não criou.”[6] - Em seguida, Fernando Pessoa discorre sobre as diferentes correntes de pensamento que existem dentro da Maçonaria, chamadas obediências distintas. É importante lembrar que outras ordens secretas como a Ordem da Rosa Cruz e a Ordem Templária podem estar incluídas de algum modo dentre essas obediências distintas; isso abre espaço para cogitarmos que a aproximação maior de Pessoa seria com uma obediência distinta e não exatamente com a parte mais difundida da Maçonaria, hipótese que não deve ser descartada. - “Resulta de tudo isto que todas as campanhas antimaçônicas – baseadas nesta dupla confusão do particular com o geral e do ocasional com o permanente – estão absolutamente erradas, e que nada até hoje se provou em desabono da Maçonaria. Por esse critério – o de avaliar uma instituição pelos seus atos ocasionais porventura infelizes, ou um homem por seus lapsos ou erros ocasionais – que haveria neste mundo senão abominação? Quer o Sr. José Cabral que se avaliem os papas por Rodrigo Bórgia, assassino e incestuoso? Quer que se considere a Igreja de Roma perfeitamente definida em seu íntimo espírito pelas torturas dos Inquisidores (provenientes de um uso profano do tempo) ou pelos massacres dos albigenses e dos piemonteses? E contudo com muito mais razão se o poderia fazer, pois essas crueldades foram feitas com ordem ou com consentimento dos papas, obrigando assim, espiritualmente, a Igreja inteira. Sejamos, ao menos, justos. Se debitamos à Maçonaria em geral todos aqueles casos particulares, ponhamos-lhe a crédito, em contrapartida, os benefícios que dela temos recebido em iguais condições. Beijem-lhe os jesuítas as mãos, por lhes ter sido dado acolhimento e liberdade na Prússia, no século dezoito – quando expulsos de toda a parte, os repudiava o próprio Papa – pelo Maçom Frederico II. Agradeçamos-lhe a vitória de Waterloo, pois que Wellinton e Blucher eram ambos Maçons. Sejamos-lhe gratos por ter sido ela quem criou a base onde veio a assentar a futura vitória dos Aliados – a "Entente Cordiale", obra do Maçom Eduardo VII. Nem esqueçamos, finalmente, que devemos à Maçonaria a maior obra da literatura moderna – o "Fausto" do Maçom Goethe. Acabei de vez. Deixe o Sr. José Cabral a Maçonaria aos Maçons e aos que, embora o não sejam, viram, ainda que noutro Templo, a mesma Luz. Deixe a Antimaçonaria àqueles Antimaçons que são os legítimos descendentes intelectuais do célebre pregador que descobriu que Herodes e Pilatos eram Vigilantes de uma Loja de Jerusalém.”[7] - O trecho que finaliza a defesa da Maçonaria também é passível de alguns comentários importantes. Fernando Pessoa critica a Igreja tradicional e enumera feitos virtuosos dos integrantes da Maçonaria, dentre eles a maior obra da literatura moderna escrita por Goethe. Ora, é também sobre Goethe, o “Maçom Goethe”, tão admirado pelo poeta, um ensaio do próprio Pessoa que trata de poesia e alquimia e que será comentado posteriormente nesse trabalho. É também digna de menção a solicitação que Pessoa faz ao deputado para que deixe a Maçonaria aos maçons e “aos que embora não o sejam, viram, ainda que em noutro Templo a mesma Luz.”. “Ver a Luz” é a expressão maçônica que significa ser iniciado, ser recebido na Ordem, ou seja, Pessoa pede que a Maçonaria seja deixada aos maçons e aos iniciados por ordens similares, por ordens iniciáticas que permitem aos seus adeptos a visão da Luz, entre esses pode estar o próprio Pessoa que se dizia “Templário portuguez”. A Maçonaria aos maçons e aos que viram a Luz; a “Antimaçonaria” aos descendentes do “pregador” de Herodes e Pilatos. Em que grupo estaria Pessoa senão no primeiro? - Acreditamos, pois, que se levando em conta os sólidos conhecimentos que Fernando Pessoa tinha dos propósitos das ordens iniciáticas, da simbologia maçônica e esotérica, dos rituais das ordens secretas, da estrutura e do funcionamento dessas ordens, assim como seu profundo domínio de tantas questões relacionadas ao tema, o poeta foi um iniciado, ainda que autoiniciado, na Maçonaria ou em alguma ordem secreta similar. Yvette Kace Centeno nos diz que: “A maçonaria é, para Fernando Pessoa, “uma vida” mais do que uma sociedade ou uma ordem.”[8] - Se o poeta participou ativamente dos rituais, das reuniões, e foi um membro oficializado, não há documento que possa comprovar, porém, a quantidade de livros sobre o assunto presentes na biblioteca de Pessoa e a quantidade de escritos seus a respeito das ordens iniciáticas colocam o poeta como um estudioso profundo do tema e, como o próprio poeta revela, um templário português iniciado. - 1. Apud MATOS, 1997, p. 138. 2. ARNAUT, Antonio. Fernando Pessoa e a Maçonaria. Lisboa: Grêmio Lusitano, 2005, p.6. 3. Apud ARNAUT, 2005, p.21 e 22. 4. Apud LOPES, 1993, p. 334. 5. Apud ARNAUT, 2005, p. 29 e30. 6. Apud ARNAUT, 2005, p. 30. 7. Apud ARNAUT, 2005, p. 30. 8. CENTENO, Yvette Kace. O pensamento esotérico de Fernando Pessoa. Lisboa: Publicações Culturais Engrenagem, 1990, p.25. - Parte integrante da dissertação de mestrado Esoterismo e ocultismo em Fernando pessoa: Caminhos da crítica e de poética, de Rogério Mathias Ribeiro. - Rogério Mathias Ribeiro - Graduado em Letras (Português/ Literatura) pela UERJ, especialista em Literatura Portuguesa pela UERJ e Mestre em Letras (Literatura Portuguesa) pela UFF. Taurino de 37 anos, carioca, residente no Rio de Janeiro-RJ, torcedor do Botafogo e professor de Ensino Médio, estudioso da Literatura Portuguesa e do Ocultismo. Contato por e-mail: roger7332@hotmail.com