23 de jan. de 2010

Escrevendo, talvez

Por Bruna Maria

Não suporto mais. Resta matar os mosquitos. Isto aqui é uma pocilga. Às vezes ouço barulho de ratos. Deve haver goteiras por aí. Quando mato mosquitos fico com sangue nas mãos. Eu devia achar um pedaço de pau. Descê-lo na cabeça da primeira pessoa que entrasse aqui. Eu devia escrever. Não aguento mais ficar sentado esperando.

Encontrei-a na hora combinada. Não avisei a ninguém aonde eu iria. Meu dia de folga. Fui apenas com a roupa do corpo e uma nota de cinquenta reais. Ela disse que para mim seria barato. Eu tinha desconto. Eu contava histórias e tinha desconto. Para mim seria barato.

Blusa marrom com listras amarelas. Calça jeans. À paisana. Fiquei onde combinamos: encostado numa marquise, à espera. Algumas pessoas passavam por mim. Eu as observava. É constrangedor ter de esperar por alguém. Ela disse que estaria com um vestido estampado. Ela garantiu que não era de se jogar fora. Eu acreditei nela.

Meia hora depois alguém descia de um táxi. Estava de vestido estampado... Não era um táxi. Assobiou, fez um sinal. Me convidou para entrar no carro. Coloquei uma mão no bolso da calça e fui. Nervoso. Ela não era de se jogar fora.

- Eu li todos os seus livros. Eu sou aquelas personagens. Como podem ser tão cruéis os seus destinos? Você é um tremendo filho da puta. Como deus, seria um desastre. Você prostituiu e matou suas heroínas. Suas narrativas urbanas são meros retratos de uma cidade que já existe. Isto é charlatanismo. Você não escreve. Você faz cópias e as assina. Eu li todos os seus livros.

A porta do carro estava travada. Ela sabia aonde ir. Mandava virar à esquerda, depois à direita. Dizia “contorne a praça”. Mandou parar na frente de um cortiço. “É o motel mais barato”, disse.

Eu podia ter fugido. Era uma mulher louca. Ninguém lia todos os livros de alguém. A birra com as heroínas devia ser recalque. Eu podia sair correndo dali. Eu entrava aqui. Uma pocilga. Eu não fiz questão de correr. Segui seus passos, subi escadas. Ela parou diante de uma porta e girou a maçaneta. Entrou e me mandou entrar. Logo deitou sobre a cama, tirando o vestido.

Estava escuro. Ela envolvia meu pescoço com os braços e me mandava ficar sentado. Às vezes dizia que eu tinha uma cara patética. Outras, ficava calada. Falava que eu mentia. Me chamava de um nome que nunca ouvi... Estava escuro e eu não podia ver seu rosto. Eu sentia como ela pesava sobre as minhas pernas.

Depois se vestiu novamente. Pediu os cinquenta reais. Eu quis saber como eu voltaria para casa sem dinheiro. Disse que era problema meu. Disse que cinquenta era muito pouco. Lembrei-lhe que ela me daria desconto. Respondeu que desconto se pedia quando o parceiro era ruim. Chamei-lhe de vadia. Ela me bateu na cara. Correu até a porta e gritou por alguém. Logo subiu um homem forte que me bateu e me fez apagar.

Então acordei aqui. Ela veio se despedir. Ainda no escuro. Me chamou de fraco. Jogou uns papéis sobre mim. Abriu a porta novamente e falou debochadamente com alguém: “Ele quer escrever uma história de verdade.” Depois disso saiu, desapareceu. E eu fiquei aqui, matando os mosquitos durante o tempo que me resta. E escrevendo, talvez.
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Bruna Maria - Carioca, mas não chega a ser muito fã de dias de sol. Formada em Letras, já cultivou uma média de três blogs pela rede, deletando os dois últimos por ter embirrado com a escrita. Para ela, o ato de escrever pode ser muito cruel e pouco redentor e, por isso, vive tentando desistir de se meter com as palavras. Mas não consegue. Também pode ser encontrada em www.projetoautoral.wordpress.com ou www.twitter.com/brumah
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