Por Rodrigo Novaes de Almeida
Na verdade nunca fui mágico. Sabia meia dúzia de truques e uma vez um macaco de circo me ensinou a hipnotizar pedras e tigres.
Sim, é verdade que eu trabalhei no circo, já fui mulher barbada sem nunca ter sido mulher, já me vesti de urso, já derrubei touros capados, mas nunca fui mágico. Acontece que eu estava foragido. Tinha coronel, polícia e Lampião no meu rasto e fui me esconder naquela pobre cidadezinha nos fundos de pra-lá-dos-montes. Eu usava um chapéu de mágico, roubado, e o povinho me confundiu de sujeito ordinário. Me receberam bem pra danar. Fizeram banquete e tudo. Mataram cabra. E me deram a última donzela virgem daquelas bandas. Juracema. Eu aproveitei. Lambi os beiços. E como gostei da menina, não contei pro povo que de donzela ela já passava longe.
No dia seguinte, veio a conta. Como fui tolo, pensei. Metido em outra enrascada. Os pra-lá-dos-montinenses estavam cansados de tanta seca naquelas terras. E cansados também estavam da chuvarada que quando vinha não vinha só, mas vinha enchente. Era tarde pra dizer que eu não era mágico e me lembrei do macaco do circo. Eu já tinha hipnotizado pedra, já tinha hipnotizado tigre, não seria difícil hipnotizar aquela gente. Acabou seca, acabou enchente. Quer dizer, o povo todo não viu mais seca nem enchente. Alguns morreram comendo terra e outros morreram afogados na última estação. E quando o efeito do transe passou eu me chispei daquele lugar e trouxe comigo a donzela que não era donzela.
Hoje, velho, me recordo daqueles dias, e da fatalidade de ter conhecido Juracema, que fugiu de mim na cidade seguinte com o mágico de um circo que por lá acampava.
Do livro Rapsódias – Primeiras histórias breves (Ed. Multifoco, 2009)
Na verdade nunca fui mágico. Sabia meia dúzia de truques e uma vez um macaco de circo me ensinou a hipnotizar pedras e tigres.
Sim, é verdade que eu trabalhei no circo, já fui mulher barbada sem nunca ter sido mulher, já me vesti de urso, já derrubei touros capados, mas nunca fui mágico. Acontece que eu estava foragido. Tinha coronel, polícia e Lampião no meu rasto e fui me esconder naquela pobre cidadezinha nos fundos de pra-lá-dos-montes. Eu usava um chapéu de mágico, roubado, e o povinho me confundiu de sujeito ordinário. Me receberam bem pra danar. Fizeram banquete e tudo. Mataram cabra. E me deram a última donzela virgem daquelas bandas. Juracema. Eu aproveitei. Lambi os beiços. E como gostei da menina, não contei pro povo que de donzela ela já passava longe.
No dia seguinte, veio a conta. Como fui tolo, pensei. Metido em outra enrascada. Os pra-lá-dos-montinenses estavam cansados de tanta seca naquelas terras. E cansados também estavam da chuvarada que quando vinha não vinha só, mas vinha enchente. Era tarde pra dizer que eu não era mágico e me lembrei do macaco do circo. Eu já tinha hipnotizado pedra, já tinha hipnotizado tigre, não seria difícil hipnotizar aquela gente. Acabou seca, acabou enchente. Quer dizer, o povo todo não viu mais seca nem enchente. Alguns morreram comendo terra e outros morreram afogados na última estação. E quando o efeito do transe passou eu me chispei daquele lugar e trouxe comigo a donzela que não era donzela.
Hoje, velho, me recordo daqueles dias, e da fatalidade de ter conhecido Juracema, que fugiu de mim na cidade seguinte com o mágico de um circo que por lá acampava.
Do livro Rapsódias – Primeiras histórias breves (Ed. Multifoco, 2009)