Por Gustavo Coelho
Uma nostalgia pungente acomete aqueles que viveram a infância e a adolescência na década de 1990. Na memória afetiva de uma geração, estão marcadas as aberturas como de Yu Yu Hakusho, Os Cavaleiros do Zodíaco e Shurato, obras que se tornaram rituais vespertinos transmitidos pela extinta TV Manchete. Aquela era uma época de acesso limitado, onde cada episódio era um evento aguardado. Hoje, o cenário é outro: a um clique de distância, um universo de produções japonesas se abre, permitindo-nos acompanhar animes quase simultaneamente à sua exibição original. E, de fato, a qualidade técnica e narrativa de muitas obras contemporâneas — como Fate/Stay Night, Boruto ou o fenômeno One Piece — é inegável e capaz de despertar o mesmo fascínio de outrora.
Contudo, ao navegar por este vasto oceano de opções, nota-se uma tendência que se propaga com uma força cada vez maior, gerando um crescente estranhamento e, por vezes, repulsa. A percepção deste fenômeno pode surgir de forma inesperada. Ao se deparar com um título como Kiss x Sis, cuja premissa de comédia escolar parece inofensiva, o espectador desavisado é confrontado com cenas de masturbação, insinuações sexuais explícitas entre meios-irmãos e uma constante apologia à erotização. O choque inicial poderia ser relativizado, não fosse por um detalhe crucial: a obra, como tantas outras do gênero, é primariamente direcionada a um público infanto-juvenil.
Isto nos leva a um questionamento cultural inevitável: o que se passa na indústria de animação japonesa? Seriam nossas culturas tão distintas a ponto de normalizar tal conteúdo para crianças ou jovens? Uma breve pesquisa no Google acaba revelando que, longe de ser um caso isolado, este é um gênero consolidado e extremamente lucrativo no Japão. Títulos como Monster Musume, To Love Ru Darkness, Redo of Healer e Seikon no Qwaser são exemplos de mangás de sucesso adaptados para a TV, provando a alta demanda por esse tipo de entretenimento. É justo reconhecer que muitas dessas obras possuem narrativas criativas e sequências de ação bem executadas. No entanto, a "apelação" — o apelo à sexualidade de forma gratuita — continua a ser o principal chamariz, com conteúdos cada vez mais eróticos e a exploração de temas progressivamente mais complexos e controversos, como se observa em Junjou Romantica.
Acredita-se, contudo, que um bom anime pode e deve existir com um conteúdo “ecchi” (termo que designa o erotismo sutil) moderado, sem a necessidade de resvalar para o explícito ou para o “pandering”. O público-alvo, majoritariamente infanto-juvenil, encontra-se em uma fase de descobertas que são muito mais sentimentais do que puramente sexuais. Há, inegavelmente, um despertar da libido na adolescência, mas o que mais aflora nesta etapa são as emoções, as idealizações e a busca por conexão.
Independentemente
do continente onde uma obra é produzida, seu público hoje é global. A
responsabilidade dos criadores, portanto, transcende as fronteiras de seu
mercado local. É necessária uma evolução no conceito criativo desses animes,
adaptando os roteiros a uma sensibilidade mundial que não subestime a
inteligência de seu público. O que cativava nas tardes da Manchete não era
apenas a violência ou o traço, mas o sentimento de empatia humana como fórmula
do sucesso: a amizade, o sacrifício, a superação. Talvez, ao resgatar essa
essência, a indústria possa encontrar um equilíbrio, provando que a
profundidade emocional ainda é o mais poderoso dos apelos.
Gustavo Coelho, natural do Rio de Janeiro (RJ), reside em Uberlândia/MG. Formado em Comunicação Social e especialista em Marketing, assim como todo bom nerd, é um apaixonado pela cultura Geek. Empresário com 45 anos, tem como hobby a contínua busca do anime perfeito. Casado, pai de uma linda filhota, entra neste mundo mágico da Literatura buscando expandir, cada vez mais, sua criatividade e imaginação.