7 de jul. de 2025

Dias de semanas de delírio


Por Milton Rezende 
 
Segunda-feira eu subo as escadas correndo
de saudade e levo um pacotinho de biscoito
água e sal para ela, e as chaves da sala de
informática, então acho graça do meu desatino
e da desnecessidade absoluta de tudo aquilo.
 
terça-feira eu desço as escadas correndo
de atrasado e carrego um livro de história
antiga para dar de presente e um envelope
pardo de papel para esconder a surpresa do
sobrenome, e ela não faz nenhum comentário.
 
quarta-feira eu subo as escadas correndo
de ansiedade e levo uma novidade imobiliária
que ainda não saiu do papel para ela realizar
por antecipação o sonho da casa própria, mas
é tudo tão pouco e tão vago como um beijo raro.
 
quinta-feira eu desço as escadas correndo
com um crachá e um convite para almoçar
e então entramos no ônibus lado a lado e a
vida parece ser tão mais fácil que quase fica
suspensa no meio dos olhares e dos talheres.
 
sexta-feira eu subo as escadas correndo
ainda sem ter um pretexto forte o suficiente
para tentar prolongar o convívio nos finais
de semana, nas férias, viagens, feriados e nas
licenças médicas que interrompem a sequência.
 
sábado a realidade do sonho sem significado
domingo a certeza de estar no caminho errado
férias e ela viajando com filhos e compromissos
feriado e eu deitado contemplando retratos
ausências no trabalho e eu só pensando em fugir
 
sem olhar as cicatrizes nas pálpebras dos olhos lacrimejantes.
 

Do livro O Jardim Simultâneo


Milton Rezende, poeta e escritor, nasceu em Ervália (MG), em 1962. Viveu parte da sua vida em Juiz de Fora (MG), onde foi estudante de Letras na UFJF, depois morou e trabalhou em Varginha (MG). Funcionário público aposentado, morou em Campinas (SP), Ervália (MG) e retornou a Campinas (SP). Escreve em prosa e poesia e sua obra consiste de quinze livros publicados. Tem um site e um blog. 

Fortuna crítica: “Tempo de Poesia: Intertextualidade, heteronímia e inventário poético em Milton Rezende”, de Maria José Rezende Campos (Penalux, 2015).