tradução
desculpe mas
não é carta de amor
não é um
lamento
nem desvario
não é poema erótico
arcaico
híbrido
nem é bilhete
pregado na geladeira
post-it fixado no espelho
feito lembrete
desajeitado
tampouco é um
livro
aberto sobre a
cama
com trecho
marcado
gritando
leia-me
não é recado
que menino grita
desculpe
mas também não
é diário
caderneta de despesas
de mercado
não é papel
perfumado
sem letras
expostas
mas repleto de
significado
nem mesmo pensamento
mancomunado
com a liturgia
sobre a paixão
ou verbo
alucinado
ecoando no
delírio do ébrio
sinto muito
mas não são
respostas às perguntas
no caderno de
enquete
não tem a ver
com formulário
burocracia
nem mesmo com
a burocracia do gostar
nem chega perto
de ser jogo
porque perde o
fôlego
antes mesmo de
se esbaldar
na mesmice
não é premonição
não é sintoma
não é bombom
sobre o criado-mudo
deixado pelo outro
que parte
assim que o dia aparece
não tenta
adocicar o que fica
quem fica
ou romantizar
a falta
ela tão
habituada a excitar
a vaidade
de quem a
cultiva
não é baralho
cigano
nem conselho
não é boleto
bancário
ou receita
médica
portanto
se acomode
deite o olhar
sobre o que é
sem ser de
fato
deixe de
procurar sentido
onde sempre quis
que a ilusão
reinasse
permita-se
levar ao quarto
quinto
sexto
a todos os
andares e andamentos
exorcizando o
inquietante desejo
pela tradução
faltas & afins
palavras
no cio
estrelas
no céu da boca
a
nudez das horas
debaixo
dos cobertores
a
voz embargada
o
choro contido
a
emoção sequestrada
pelos
desamores
a
obscena saudade
atravessa-me
afiada
Poemas do Livro das confissões.
Carla Dias é paulista de Santo André. Escritora, baterista e produtora cultural, autora dos livros Os estranhos (romance – sic, 2009), Estopim (romance – sic 2012), O observador (contos – Penalux, 2016), Livro das confissões (poesia – Patuá, 2018), Baseado em palavras não ditas (romance – Edição do Autor, 2019), Fugas, pausas e desatinos (Laranja Original, 2022) entre outros. É cronista do Crônica do Dia desde 1998, ano de lançamento. Baterista da banda OsQuatro, vem trabalhando um repertório autoral com poemas de sua autoria musicados.