Whisner Fraga — Nos seus livros, a distopia caminha ao lado da utopia, o surrealismo ao lado do realismo. A linguagem serve à arte, mas também à denúncia. Você acha que o papel social do escritor ainda pode ser relevante nos tempos atuais?
BRUNO RIBEIRO — O papel do escritor é escrever, mas se há um papel social que esteja de acordo com os seus escritos, por que não seria relevante? Acredito que sim, ainda mais nos tempos atuais, onde há uma necessidade enorme do escritor ou de qualquer outro artista expor as suas opiniões e se posicionar. O meu receio é que esse papel social cubra o papel do escritor, tornando a figura pública mais importante do que a figura do livro.
Whisner Fraga – Alguns personagens de seus livros combatem com veemência o racismo e convidam os leitores a abraçarem o antirracismo, o que é muito necessário. Por outro lado, alguns destes personagens nutrem outros preconceitos e outras violências, como o machismo e a misoginia. Por que construir um protagonista que é oprimido, mas que também oprime?
BRUNO RIBEIRO — Não busco escrever personagens perfeitos, afinal, todos nós somos tóxicos. O meu intuito com a literatura é abraçar as dúvidas, a ambiguidade, a incerteza, neste sentido acho que faço uma literatura extremamente realista, apesar dos toques de fantasia, terror e surrealismo. Abraçar o real é entender que todos nós podemos ser o vilão de alguém. Ninguém está a salvo da vida e as suas curvas. Respirar é gatilho. Somos mais irregulares do que regulares.
Whisner Fraga – Como você vê o lugar de fala na ficção?
BRUNO RIBEIRO — Importante, já estou no campo literário há uns bons anos e me alegro em ver tanta gente boa e plural publicando. É necessário, sempre foi. Obviamente que há repetições de temas, obras genéricas, fracas, mas nunca foi assim? Quantos livros lugares-comuns nós já lemos de autores brancos? Da mesma forma que eles têm o direito de serem genéricos, nós também temos. Eu quero é mais que tomemos tudo.
Cynthia Beatrice Costa – A leitura do livro é
rápida, aproximando-se da nossa experiência com o cinema. Há cenas frenéticas,
sobretudo as de luta. Que estratégias você adota para compor esse ritmo?
BRUNO RIBEIRO — Já fiz trabalhos como roteirista, o cinema é uma baita influência. O ritmo frenético vem disso, vem também das artes plásticas, fotografias, eu tenho uma preocupação grande com o visual, em passar uma imagem clara para o leitor do que está acontecendo. Em cima disso, vou construindo cenas bem imagéticas entre alguns sumários, onde a ação toma a frente.
Cynthia Beatrice Costa – Podemos considerar que um dos aspectos tratados no livro é o da identidade negra. Em dado momento, ao falar de sua relação com Wênia, o narrador cita alguns autores/obras que colaboram para a sua reflexão a esse respeito, como Toni Morrison, W.E.B Du Bois e Cruz e Souza. Depois, você, Bruno, cita Cruz e Souza nos Agradecimentos, além de citá-lo na primeira epígrafe. Sua relação com esses autores é semelhante à do narrador? Suas obras contribuem para a sua reflexão?
BRUNO RIBEIRO — Contribuem. Eu tenho uma aproximação grande com todos os artistas citados, eles são referências importantes. A reflexão que proponho no livro é exatamente as que passaram comigo durante os anos e que desejo que o leitor se debruce e reflita também.
Cynthia Beatrice Costa – Curiosidade: por que a escolha de deixar epígrafes em inglês?
BRUNO RIBEIRO — Quis deixar no original mesmo, nenhum motivo especial.
Cynthia Beatrice Costa – Rubem Fonseca é uma inspiração para a sua obra?
BRUNO RIBEIRO — É sim, Rubem Fonseca foi um dos primeiros escritores que li e pensei: “quero fazer algo assim”.
ALLYNE FIORENTINO – Em algumas entrevistas lhe perguntam sobre os autores em que se inspira para criar o seu livro Porco de Raça, embora tenha alocado de maneira bem direta todos esses autores (também cantores) na trama. Essa evocação insistente das figuras negras bem-sucedidas apesar de tudo, ou seja, grandes artistas, com grandes obras, ainda que na condição social desfavorável, parece embasar o diametralmente oposto do personagem principal, seja por ironia proposital ou não. Como você lida com a possibilidade dessa leitura irônica por parte dos leitores?
BRUNO RIBEIRO — Acho maravilhosa essa leitura e faz todo sentido. O protagonista está em busca de ser alguém e assim como algumas das figuras que destaco, ele se torna alguém ao virar Porco Sucio, mas a que preço? É o que ocorreu com Maguila, Lima Barreto, Robert Johnson. O pacto cobra caro. Você se torna alguém, mas parece que um pedaço de você é destruído. Muitas vezes, você inteiro é destruído.
ALLYNE FIORENTINO – Ainda sobre a recepção da sua obra, você se preocupa sobre como a sua obra vai “envelhecer”, ou seja, como esse texto chegará às gerações futuras e o que ele representará sobre a arte da nossa época?
BRUNO RIBEIRO — Interessante, porque eu não tenho preocupação com isso. Parece-me até uma egolatria delirante pensar nessas coisas. Não temos controle do que está por vir. Penso no agora, amanhã estarei morto e não tenho ideia do que acontecerá com os meus livros e com a recepção deles. E nem quero ter.
ROGERS SILVA – Tendo em vista o enredo do romance, o título Porco de raça é extremamente provocativo. Quais seus critérios para a escolha do título de uma obra? Prefere títulos literais, metafóricos? Ambíguos, explícitos?
BRUNO RIBEIRO — Cada livro me entrega o seu título, alguns são mais diretos e literais (como Glitter, Bartolomeu, Arranhando Paredes), outros mais metafóricos (como Porco de Raça, Febre de Enxofre, Zumbis), e outros mais crípticos e ambíguos como o meu inédito O Dono e o Mal. O livro é quem diz como o título deve ser e se vai funcionar, não tenho uma preferência de estilos.
ROGERS SILVA – Qual a sensação de pegar o livro físico (ainda mais, bonito como os da DarkSide) com o seu nome na capa? A seu ver, a edição cuidadosa de um livro faz diferença na recepção do leitor, seja antes, durante ou após a leitura?
BRUNO RIBEIRO — É maravilhoso! Sabemos das dificuldades de ser escritor no Brasil, logo, é sempre uma alegria enorme ver o seu livro ganhar vida. Eu não tenho o costume de reler os meus livros, mas é um momento muito bom esse de vê-los impressos.
E sim, uma boa edição atrai mais leitores, não tenho dúvidas disso.
ROGERS SILVA – Indique cinco escritores contemporâneos para nossos leitores. Por que os indicou?
BRUNO RIBEIRO — Paulliny Tort, Irka Barrios, Matheus Borges, Wander Shirukaya e Eliana Alves Cruz. Todos fogem do lugar comum, exploram a linguagem com coragem e fazem uma literatura que nos tira do prumo.
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