7 de dez. de 2022

Para penetrar nos meandros intricados da obra de Milton Rezende

 

Por Patrick Ariel 

Adquiri num evento de universidade um livro sobre o o poeta Milton Rezende. Praticamente passou despercebido tanto o autor quanto os seus poemas e esta dissertação resgata esse lapso inconcebível e inicia a fortuna crítica do autor mineiro. 

Trata-se do livro Tempo de Poesia: Intertextualidade, Heteronímia e Inventário Poético em Milton Rezende, da autora Maria José Rezende Campos (Editora Penalux).

O livro já nos pega pela capa que, segundo a autora, é a representação gráfica de um dos poemas do Milton: Obstáculos. Na contracapa, em meio às gotas de chuva do desenho, há um comentário do consagrado Ivo Barroso, tradutor de Hesse, Rimbaud, entre tantos outros. 

As orelhas trazem a apreciação do Prof. Luiz Fernando Medeiros de Carvalho, orientador da autora no mestrado em letras que resultou na presente publicação. O prefácio foi escrito por Anderson Pires da Silva e a apresentação traz a rubrica de Nícea Helena Nogueira, ambos conceituados professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). 

Por esse arcabouço já se pode perceber a excelência da presente e oportuna publicação acadêmica que, no entanto, nos prende pela coloquialidade dissertativa, tornando a leitura palatável e prazerosa desde o primeiro momento. Mérito, sem dúvida, da Maria José que soube “penetrar, com denodo e carinho, os meandros mais intricados da obra do nosso Milton”. 

O livro em questão é dividido em quatro partes ou eixos temáticos que versam sobre a intertextualidade, a heteronímia, o processo de criação e os espectros do Spleen encontrados no poeta Milton Rezende, que já possui quatorze livros publicados e completa agora, em 2022, trinta e cinco anos de estrada literária desde a publicação de “O Acaso das Manhãs”. 

Repassemos então, em breves pinceladas, os capítulos ou temas estudados, pois temos a plena certeza que nenhum comentário substituirá a completa leitura do livro, como nos filmes em que a sinopse deve servir para aguçar ainda mais a vontade de ver todo o filme. Eu, Patrick Ariel, poeta inédito e estreante, ficaria satisfeito se os eventuais leitores das redes sociais (que conseguiram chegar até aqui) me acompanhassem até o final e fossem além, adquirindo um exemplar do livro e, através da leitura e apreciação pessoal, tirassem as suas próprias ideias e conclusões. 

Já ressentimos muito, desde algum tempo, a morte ou a mordaça das análises críticas nos órgãos de imprensa e a ausência daqueles grandes críticos literários que dissecavam autores e obras em grossos compêndios. Nos tempos de colégio achávamos aquilo maçante e hoje quantos de nós não daríamos tudo para ter de volta os antigos suplementos com seus artigos teóricos. 

No primeiro capítulo a autora faz um apanhado geral sobre a intertextualidade em seu contexto histórico e correlaciona-a, em particular, com seu objeto de estudo, o poeta Milton Rezende, e nos poemas em que ele adota tal procedimento que, em se tratando da poética contemporânea, é bastante comum e corriqueiro, assim como o uso das epígrafes. A meu ver essa intertextualidade enriquece sobremaneira os seus escritos sob uma perspectiva dialética em paralelo com autores como Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos e Drummond – verdadeiros ícones em que o poeta se espelha, reverenciando e enriquecendo com um olhar próprio e apropriado. 

No capítulo seguinte é dada ênfase no estudo da heteronímia e, com originalidade, a autora Maria José nos revela um completo panorama deste recurso largamente empregado no fazer poético do Milton. Demonstra que os heterônimos deste autor dialogam com o próprio e entre si mesmos, o que, sem dúvida, é uma particularidade bastante interessante em se tratando do uso de heterônimos, que teve sua expressão máxima com o grande Fernando Pessoa. Aliás, a autora traça esse paralelo entre o poeta português e o fazer poético do Rezende, misto de funcionário público e celebridade rural escondido no anonimato das montanhas de Minas. 

Na sequência vem uma análise da Maria José, engenheira da palavra e autora perspicaz que agora se debruça sobre o processo de criação do poeta mineiro, dissecando, discernindo e exemplificando com inúmeras poesias retiradas dos livros do autor, formando desde já uma breve antologia de poemas estudados que poderá ser usada como base para novos estudos, dela própria ou de outros aventureiros dispostos a levar adiante a tarefa de retirar o Milton do limbo acadêmico e levá-lo à apreciação de mais leitores. 

No último capítulo, a autora se dedica a rastrear os indícios ou resquícios do Spleen na obra do autor, como se fossem espectros do romantismo ainda vivos e remanescentes na contemporaneidade dos temas abordados, tais como o subjetivismo e a morte. Para tanto faz um apanhado global da escola romântica vigente na segunda metade do século XIX e aborda autores como Álvares de Azevedo e sua correlação com a lírica atual e reinventada nas temáticas predominantes do poeta Milton Rezende. 

Finalmente, para fechar o livro, há um apêndice e um anexo formado por diversas entrevistas com o próprio poeta (concedidas em diferentes períodos e contextos) e também com alguns escritores e poetas amigos, conterrâneos e/ou conhecedores da obra do autor de Ervália. 

Dito isso, acho que só nos resta ler o livro da Maria José e, através dele, dar um passo e um impulso rumo à obra poética do Milton, descobrindo e desvendando novas sendas de fruição, percepção e compreensão da gênese literária empreendida por este “poeta de escrita tão refinada, familiar aos leitores da poesia moderna, mas ao mesmo tempo estranha aos leitores da atual poesia contemporânea”.

       
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