6 de mar. de 2022

Batman detetive, o (anti-)herói da DC volta em versão noir

Por Cynthia Beatrice Costa

Eis que o Homem-Morcego voa baixo novamente. Estreia esta semana em todo o mundo o filme de Matt Reeves estrelado por Robert Pattinson, originalmente intitulado em tom solene The Batman, mas, para brasileiros, só Batman mesmo. 

Desta vez, o Homem-Morcego renasce em um drama processual, ou seja, o filme segue o passo a passo de uma investigação policial, pista por pista, até chegar ao verdadeiro culpado. Como um episódio especial de Law & Order em Gotham City. Se essa é uma boa ou uma má ideia para o retorno do Cavaleiro das Trevas, vai depender do gosto do freguês. Se estiver de acordo com um Batman mais taciturno e uma história tradicional de “caça ao assassino”, vai gostar. Já se estiver à procura de ação eletrizante, engenhocas sofisticadas e inovação, pode se frustrar. 

Batman resgata todo um legado cinematográfico que já conhecemos bem. Pode ser considerado um filme noir, em que um homem torturado por seus demônios pessoais (Bruce Wayne/Batman), moralmente ambíguo, cruza com uma mulher misteriosa (Mulher-Gato, interpretada por Zoë Kravitz) em um ambiente tomado por corrupção policial (exceto pelo boa-praça Comissário Gordon, papel de Jeffrey Wright) e pelo crime organizado (John Turturro como Carmine Falcone e Colin Farrell como Pinguim – ambos facilmente deslocáveis para alguma máfia scorseseana). Pode ser visto, também, como um pot-pourri de thrillers de David Fincher. Uma mistura de Seven: os sete crimes capitais (1995) – inclusive com um diálogo quase idêntico – e Zodíaco (2007). 

Boa fotografia, excelente mixagem de som e acordes sinistros de “Ave Maria” para nos lembrar da presença de um Charada psicopata (Paul Dano) colaboram para uma experiência um pouco tristonha, quebrada aqui e ali pelo divertido Pinguim de Farrell e pelo leve romance entre Batman e Selina Kyle, a subentendida (já que ninguém a chama assim) Mulher-Gato. 

Felizmente, o ex-vampiro Edward e atual ator de respeito foi uma escolha sob medida para esse tom deprê. Como Bruce, Pattinson parece mesmo um pós-adolescente traumatizado, meio malcriado em sua interação com o fiel Alfred (Andy Srkis). Como um Batman vulnerável, convence muito bem. 

Sob a tutela da DC Comics e da Warner, Reeves claramente não quis adotar a fórmula mágica de super-heróis da Marvel. Melhor assim, porque Batman não é mesmo um super-herói. O encapuzado criado por Bob Kane e Bill Finger na década de 1940 não tem superpoderes, portanto não pode ser super-herói. Mal é herói, aliás. Como escreve Emmanuel Prado de Oliveira: “Na contemporaneidade, Batman é percebido muito mais como um anti-herói do que como um herói propriamente dito, embora siga a regra de não matar”. 

Reeeves também conseguiu se afastar da amada trilogia de Christopher Nolan – Batman Begins (2005), Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). O segundo filme de Nolan, com Heath Ledger como Coringa, costuma ser considerado o melhor de todo o universo cinematográfico (não-animação) do vigilante. 

Em certo sentido, o Batman atual conversa mais com os dois filmes de Tim Burton protagonizados por Michael Keaton (1989 e 1992), talvez por terem um pé no gótico. Gotham é retratada como escura e chuvosa; a mansão Wayne, como uma espécie de catedral repleta de arcos. Todos se vestem de preto. A atmosfera é decadente, e até Bruce está mais para filho de quatrocentão falido do que para playboy badalado. 

Os filmes de Burton e de Nolan tiveram vilões marcantes, algo importantíssimo em se tratando do universo de Batman, já que sua galeria de inimigos costuma ser mais interessante do que ele mesmo. O justiceiro noturno cultiva com seus desafetos uma relação simbiótica. Com frequência, envia-os para o asilo de Arkham, do qual eles inevitavelmente escapam em busca de vingança. E assim começa o ciclo tudo de novo, em uma valsa doentia que poderia ser resolvida caso Batman se decidisse simplesmente por eliminá-los. Mas, sem vilões, o que seria dele? Sim, há certa complexidade psicológica aí. Apesar de ser um homem adulto vestido de morcego, com orelhinhas e tudo, Batman não é um personagem bobo. 

Nem é preciso dizer que 0 Batman de 2022 faz parte de uma onda – mais para tsunami – de compulsão midiática por personagens originários dos quadrinhos que já dura... muito. E promete durar mais, já que este ano ainda trará The Flash, Adão Negro, Morbius e várias sequências. A expectativa é de que o filme de Reeves tenha também mais duas sequências.

       
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