Por Cristina Ancona Lopez
Enigma
Sempre escorregava.
Nos pingos de água, nos pisos lisos e no gelo da neve mas,
principalmente, nas palavras.
Passava por elas deslizando;
Escapavam-lhe inexplicavelmente.
De algumas conseguia apanhar a primeira ou última sílaba porém deixava
escapar as do meio. Então, guardava apenas os pedaços e, de posse desses,
passava a procurar, incansavelmente, suas partes.
Um dia deu-se conta de que tinha uma sílaba nas mãos. Apenas uma.
Sem saber de onde teria vindo procurou encontrar-lhe o sentido.
Escutou-a, mas nada dizia;
encostou-se nela, não havia aconchego;
passou-a em seu corpo, sem sensações.
Então soltou-a no ar.
Voou como se tivesse asas.
Rodopiou, flutuou e fez desenhos contra o céu.
Depois, caiu-lhe novamente nas mãos.
Até hoje procura, em vão, uma forma de decifrá-la.
Amarelas
Hoje lembrei-me das borboletas amarelas. Aquelas, que costumavam revoar
na minha e na tua janela e batiam levemente as asas nos vidros.
Você se lembra de que roçavam nossa face quando abríamos as vidraças
para que o vento nos revoasse os cabelos, nos fechasse os olhos e nos fizesse
sorrir?
Havia as que entravam dentro de casa tornando a sala cheia da luz que o
amarelo traz...
Como queríamos que ficassem ali! Estáticos para que não se assustassem,
olhávamos silenciosos os seus movimentos.
Houve aquela que pousou na sua cama ali ficando por um dia e uma noite
em que, para que não se fosse, dormimos no chão.
Assim que amanheceu o dia eu a vi voar pela janela aberta. Não, jamais
prenderíamos uma das nossas borboletas.
Por isso voltavam e nos traziam a alegria dos que voam e são cobertos de
cores.
Quando você se foi, pensei que se tinham ido com você. Depois soube que você
pensava estarem comigo.
Hoje sei que não voltaram, nem em rápida visita, para nenhum de nós
dois.
Foi a forma que encontraram para protestar por não termos sabido cuidar do
sentimento que, de tão grande, nos ultrapassava e chegava até elas.
Cristina Ancona Lopez é paulista,
tocantinense, inglesa, vida variada, prato cheio de letras para colocar no
branco de qualquer lugar. Não se lembra de andar pela vida sem um lápis, um
papel, um computador, um tablet ou um celular, desde quando começaram os
questionamentos, delinearam-se os tormentos, e descobriu-se com fortes
sentimentos. Nas fases brancas de escritas, pensa, anota, mas nada cria,
tornando-se incompleta. Gosta de ser chamada de Tita, como se autodenominou em
idade bem pouca, não se lembra quando ou como. Quer leitores, críticas, troca
de ideias deste e neste mundo por onde andar ímpar.