31 de out. de 2021

Bilhete para Alice e outras micronarrativas

Por Adrianna Alberti 

A história que os toques contam

Aos 20, meus dedos enrolavam em outros bonitos e firmes, com movimentos tímidos e cheios de expectativa, como se o toque de digitais fosse o suficiente para realizar mil planos e sonhar outros mil mais. Aos 25, meus dedos se contorciam em nervosismo excitante, tocando linhas rígidas, silenciando sussurros roubados, descobrindo novos caminhos, cavando tanto conhecimento de si, mas percorrendo desejos que nasceram fadados ao fracasso. Aos 30, meus dedos esfregavam minha pele, borrando uma maquiagem precária, em crise, pois os olhos cheios de lágrimas não suportavam observar a própria imagem refletida. Agora, depois de tantos, meus dedos se friccionam secos, tamborilando mesas frias, buscando manter o controle do pensamento, a ordem, a atenção, tentando amarrar a sanidade em um fio de cabelo. 


Bilhete para Alice

Tentei repetir sua fórmula, Alice, eu busquei adormecer entre as flores do jardim, sob o sol ameno de uma tarde vagabunda qualquer. Mas, no meu caso, não havia jardim, nem flores, só o sol forte de um final de agosto. Tentei seguir o coelho branco, Alice, para me enredar em histórias multicoloridas e desconexas, para correr labirintos e fugir das Copas. Mas, surpreendentemente, meus olhos permaneceram focados, as flores nunca cantaram, a lagarta nunca se transformou em borboleta. É desesperador, quero aquele mundo divertido, cheio de ladainhas fáceis e sombras em movimento. Então me diga, Alice, o que faço para entrar naquele buraco sem fim, viver entre as árvores atrás do gato sorridente, para lá da curva do chapeleiro, escondida em uma xícara de chá. 

Insônia

O corpo exige acordar antes do sol, sempre sem sol. Não importa se fechou os olhos finalmente às nove da noite ou às quatro horas da manhã, os olhos abrem sempre antes de clarear. No entanto, os pés só tocam o chão quando é tarde demais para o ônibus, embora, em alguns dias, só depois do meio-dia. Às vezes, os gatos se penduram na porta, exigindo atenção, arranhando a madeira e reclamando alto para os vizinhos ouvirem. No mesmo quarto dormem as plantas venenosas, ao lado da camada de poeira e os objetos esquecidos pelo tempo. Ela tenta, arrastando os pés para juntar toda a bagunça, a cada três meses ou mais, há um tipo de milagre e ela limpa, fica feliz. Ela tenta, mas cala, sem palavras para quebrar a rotina.