Por Rogers Silva
18 –
No sábado, duas semanas depois do primeiro encontro, num dia de folga de Geisel, o telefone tocou. “Alô?” Era Jéssica: “Oi, meu anjo. Estava com saudade de mim? Eu estava morrendo de saudade de você. Recebeu meu recado? – rápida. – Eu liguei para a Marina falando, na terça-feira de manhã, depois daquele domingo que falei que iria à sua casa, já em Patos de Minas, o que tinha acontecido.” O rapaz, mesmo estranhando a intimidade com que estava sendo tratado, gostou. “Calma, calma... Eu fiquei sabendo, sim. Se preocupa, não. Está tudo bem.” “É porque eu fiquei preocupada de você achar ruim.” “Não, não achei. Já está tudo bem com sua vó?” “Ah, mais ou menos. Mas eu não quero falar nisso, não. Vamos sair hoje?” “Era exatamente o que eu ia falar. Vamos, sim. Onde você quer ir?” “Por mim, em qualquer lugar. Mas você não vai me ‘cortar’ não, né?” “Como assim?” “Estou brincando, bobo. Nada, não.” Geisel escolheu o local. Falou-lhe que não se preocupasse em ir bem vestida. “Por quê? – estranhou.” “Você vai ver o porquê.”
19 –
Geisel, sempre com seu Chevette 89, foi buscar a moça em sua casa no Jardim Patrícia, bairro de classe média da cidade. Quando a viu sentiu algo que há muito tempo não sentia. Gostou e, sem a outra perceber, sorriu da própria emoção: um sorriso contido, e não expansivo, com o qual poderia ser reparado. Ela, após sair pelo portão menor, cor bronze, abraçou-o de tal maneira que ele se arrepiou. Assustou-se, mas gostou. Ela continuava o entrelaçando e murmurava que estava com saudade, com muita saudade. Geisel, sem perceber, rendia-se e dizia que também, também sentira saudade. No meio do caminho ela perguntava aonde estavam indo, curiosidade expressa nos olhos e na entonação da voz: Onde? Fala, vai. Aonde vamos? “Segredo, segredo.” “Já estou ficando com medo, viu – brincava.” Passavam pelo Center Shopping, na avenida João Naves de Ávila, iluminada com luz alaranjada, e um letreiro eletrônico na esquina com a Rondon Pacheco mostrava, sucessivamente: Uberlândia, Terra Fértil. Os carros, muitos, passavam ao lado. Logo entraram pelo portão do campus da Universidade Federal de Uberlândia, que ficava na mesma avenida, poucos quarteirões acima do shopping. Jéssica estranhou. “Hoje tem uma festa da Geografia aqui muito legal – Geisel explicou.” “Ah...” Jovens andavam em grupo, conversando e rindo. Alguns, em dupla, de mãos dadas. Outros fumavam e bebiam. Estacionou o carro e foram para um banco, num campo aberto, perto do bloco de Economia. Sentaram-se. Em torno havia árvores altas, densas e bem folheadas. A uma razoável distância, um banco do lado do outro. Nesses bancos, casais conversavam, riam e namoravam. Um vento brando balançava os cabelos de Jéssica e, sobretudo, os lisos de Geisel. Conversavam o mais naturalmente possível, sem se sentirem constrangidos. Ele, diferente do outro dia, no qual não deu muita abertura para que acontecesse algo, nesse dia dava toda abertura possível. Charmoso, olhava para a moça. Às vezes sorriam juntos por causa de uma anedota, ora contada por ele, ora por ela, que contava tão incrivelmente, fazendo gestos, alterando a voz à medida que os personagens mudavam, rindo antes mesmo de terminá-la. Mais para cima, próximo ao bloco da Música e das Artes Cênicas, ouviu-se um som de uma música. As poucas pessoas que aqui embaixo se encontravam, subiram a fim de ouvir a banda alternativa tocar. Geisel e Jéssica ficaram sozinhos. O que há muito poderia ter acontecido e os dois pareciam querer muito, ocorreu de forma tão espontânea e aprazível que nenhum dos dois dava o primeiro passo para por um fim: o primeiro beijo do casal. Ficaram, sob a iluminação amarelada, se beijando por uns cinco minutos, com tal entrosamento que parecia um casal de namorados que há muito se conhecia. “Faz duas semanas que estou esperando por isso – disse, rendida.” “Eu também – ele, aos poucos, vencia a resistência.” Depois do beijo, criou-se entre eles uma intimidade inexplicável. Geisel perguntou se podia deitar em seu colo. Ela sorriu e deixou. A luz do poste, que chegava no rosto de Geisel, ressaltava seus olhos verdes. “Seus olhos são tão bonitos. Lindos mesmo – dizia Jéssica.” Falava e olhava de uma maneira diferente do que todas as outras já o olharam. Ele gostava desse olhar. Não havia nada naquele momento que podia atrapalhá-los.
20 –
Vários telefonemas. Mais alguns encontros. A
paixão e a intimidade crescendo entre eles. O conhecimento – por parte de
Geisel – do pai, da mãe e da irmã de Jéssica. Presentes (ele dera a Jéssica um
quadro, bombons, anéis, correntes e pulseiras e, por incrível que pareça, numa
atitude inédita, até flores. Ela dera bem menos: uma bonita camisa e uma
coleção de CDs com músicas românticas). Eis o que se passara, resumidamente,
nos primeiros três meses. Os pais da moça aparentaram gostar do rapaz:
inteligente, bonito, bem-educado, maduro – como ela lhe dissera, usando as próprias
palavras deles. Geisel dava-se bem com a irmã de Jéssica, uma pré-adolescente
de 12 anos. Às vezes reclamava, brincando, que ele dava mais atenção à sua irmã
que a ela, sua namorada, ora!
21 –
A Perfeição em três meses (assim mesmo, em maiúscula). Mas em ficção (ficção?) não há aberturas para resumos, e sim verossimilhança acima de tudo. Em meio semestre, o desejo de se verem, de se falarem, de se abraçarem, de se beijarem, aumentou a cada dia que passou. Não houve um dia sequer que eles não se falaram. O telefone fixo os ajudou quando não foi possível o encontro. A moça era mais arrojada e demonstrava estar mais apaixonada. Três meses depois do primeiro beijo do casal, num sábado de manhã, Jéssica ligou para Geisel, dizendo que desejava passar o dia todo com ele, a fim de namorarem e fazerem tudo. “Por mim, tudo bem. Hoje eu estou de folga mesmo.” Já de manhã, às dez e meia, foram para uma praça localizada no centro da cidade. Os dois: sentados num banco; abraçados; os rostos virados um para o outro; os olhos apaixonados, dizendo: Eu te amo eu te amo, simultaneamente; as mãos entrelaçadas. Acariciavam-se. “É tão bom estar assim com você. Saiba que nesse tempo que estivemos juntos não houve um minuto sequer que não quisesse estar perto de você – confidenciava Jéssica.” “A melhor coisa no meio de trabalho, faculdade, falsos amigos – excluindo Andressa, é claro (Jéssica soltou um Ah! de ciúme e desaprovação) –, é estar com você.” “Por que você sempre tem que falar na Andressa, hein? – disse, revelando a falta de afinidade pela outra, já demonstrada desde que elas se conheceram, há dois meses, na casa de Geisel.” “Para com isso, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Para, vai, me dá um beijo – e puxou a moça suavemente pelo pescoço.” Jéssica não resistiu e o beijou, mas não deixou de demonstrar o descontentamento perante a pronúncia do nome de Andressa. Pareceu preferir esquecer o assunto. Geisel deitou a cabeça no colo de Jéssica, dobrando as pernas em cima do banco. Os olhos dele, sob os raios do sol forte, manifestavam uma beleza incrível, dizia a namorada, que fazia carinhos, alternando entre os cabelos, o pescoço, o peito e os braços. Frequentemente ela exclamava, os olhos direcionados aos outros: “Meus olhos verdes...” E completava: “Só meus.” Insistia em repetir: “Seus olhos são tão lindos. Seus, não. Meus... Meus olhos verdes...”
* Publicado originalmente no livro Manicômio
(2012).
** Continua no dia 14 de maio.