Por Ramon Carlos
Magnitude
Sangue
talassêmico
Os
cabelos brancos de Virgínia
Enquanto
estende as roupas, cantarolando
Feito
pássaro de madrugada, fazendo ninho dentro do túnel
Aves
de peitos luminosos, como se tivessem sido pintadas
Por
Rafael, no intervalo das Madonas
Esquinas
de um corpo esfarelado em diamantes
Faíscas
que verberam entre as frestas dos seus olhos
Antíteses
selando um acordo efêmero
Natural
como cobras nadando em leite materno
“Rafael
tem algum quadro assim?”
Uma
dose de sangue talassêmico com gás
A
noite risca fósforos no crepúsculo
As
estrelas acendem cigarros quando morrem
Virgínia
ri enquanto prende os cabelos
Seios
rijos como a ponta de um prego
Ela
desenha sua imagem no espelho
Pergunta
quando os fiapos brancos pararão de nascer
Lembra
da lua de dias atrás
“Parecia
uma boneca contando piadas”
Lembra
da chuva em seu colo ontem
“Tempestade
anônima sem gás”
Veste-se
com a etiqueta de Versailles
Suspira
ao ouvir o piano do vizinho
Mas
ele não sabe tocar porra nenhuma
“Só
belisca ternos de gesso”
Vai
fritar ovos, conta piadas
Boneca
em órbita, placebo de Vênus
Vou
até a janela hoje, a luz do seu quarto está apagada
Risco
um fósforo, acendo um cigarro
Observo
a noite
E
não morro, tal qual
As
estrelas
Granada
Da
mancha no olho casto
Do
prurido na pele branca
Dos
calos relevantes no pé 33
Das
paisagens que sobram na cama
Leio
Azevedo por 3,99
O
primeiro livro vendido no bazar
Segundo
a caixa
Pedido
de ordem nas cruzadas
Não
sei a capital do Líbano
Sugiro
Lindóia do Sul
Muita
letra
“Não
sei”, por fim, nos une
Uníssonos
Tocamos
cabelos e formigas
Nas
paredes mofadas
Nos
panos de pia
No
pacote de lixo
Na
folhagem que atrai abelhas
Nas
folhagens que nos une
Que
regamos com suco de limão
E
adubamos com erva molhada
Assim
sentamos à margem
Das
tristes notícias do erro comum
Das
traças viciadas em naftalina
Dos
equívocos das tesouras com ponta
Do
nome no lápis sem ponta
Da
taça trincada por um erro comum
Dos
beijos si-lá-bi-cos
Voltamos
a caminhar
Torcemos
nossos corpos
Na
quina do sofá
Na
porta do box
Achamos
engraçado esse porte de arma
Quebramos,
esparramamos
Os
cacos da porcelana verde por dentro
Vamos
embora, vamos embora
Nosso
chão tem carvão em brasa
Nossos
símbolos vestem chapéu
Nossa
ternura usa bigode
Nossas
extravagâncias estão no sótão
Deixo
a toalha de banho marcada de cera
Uso
dois pingos de gel
Repito
a cueca
Corto
as unhas dentro do cinzeiro (um pote de metal para presente)
Cheio
de ilustrações geométricas
Mas
saem voando, capazes de orbitar
Vamos
embora, vamos embora
Ela
deixa rastros de primavera pela casa
Ela
queima como um verão bêbado
Ela
é outono quando sonha e inverno quando chora
Suas
toalhas de banho têm cheiro de pêssego
Seus
cigarros ardem como incenso
Damos
nomes aos insetos que respiram pela boca
Das
patrulhas pelas travessas
Do
mendigo que fala chinês e mendiga em espanhol
Da
noite que embrulha a ópera
Dos
centímetros que separam metros
Do
último furo no cinto
O
álibi como um simples não
À
margem, à margem
De
um confuso ato
Os
espelhos podem marinar
A
recompensa que nunca acaba
Ela
já está dormindo
Minha
lira de 29 anos
Ramon Carlos é coautor do livro
estrAbismo (Editora Viseu, 2018). Escreve no site: www.estrAbismo.net. Tem
materiais diversos espalhados em revistas como: Mallarmargens, LiteraturaBr,
Acrobata, Philos, Amaité Poesias & Cia, InComunidade, LiteraLivre,
Subversa, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura, Jornal Plástico Bolha, A
Bacana e Cidadão Cultura.