22 de fev. de 2021

Escrever é uma fórmula de sonhar possibilidades

Por Milton Rezende

A mim ensinou-me tudo 

“... e a monotonia da vida será para mim / como a recordação dos amores / que me não foram advindos, / ou dos triunfos que não haveriam / de ser meus”. (Fernando Pessoa)

O pouco que sei,

sei de o não saber,

mas só o de sentir

e nunca poder alcançar.


Tudo passou por mim

como as águas de enchente,

mas vi tudo fluir e o vazio

de nada reter nas mãos.


Se escrevo é só uma fórmula

de sonhar possibilidades

enormes, como se fossem

passos de uma criança deitada.

 

Breve e longínquo

“...você marcou a minha vida, viveu, morreu na minha história, chego a ter medo do futuro e da solidão que em minha porta bate... eu corro e fujo destas sombras, em sonhos vejo este passado, e na parede do meu quarto, ainda está o seu retrato, não quero ver pra não lembrar, pensei até em me mudar... lugar qualquer que não exista o pensamento em você”.  (Edson Trindade/Tim Maia)

Breve, como breve é a luz da lua cheia

Durante o eclipse solar da vida humana.

 

Breve, como breve é a sombra da noite

Durante o sono da vida como um lençol.

 

Breve, como breve é o sonho do amor

Durante o intervalo das ilusões perdidas.

 

Breve, como breve é a existência do corpo

Durante o trajeto sobre o planeta terra.

 

Breve, como breve é a presença do espírito

Durante o convívio quando se pensa em anjos.

 

Longínquo, como longínqua é a essência dos seres

Durante o percurso no trafegar das ruas atribuladas.

 

Longínquo, como longínquo é tudo o que se vê

Durante o passeio da câmara em panorâmica no alto.

 

Longínquo, como longínqua é a felicidade íntima

Durante a procura pelo convívio ideal a mais de um.

 

Longínquo, como longínqua é a música do Yes

Durante o embalo da paixão não correspondida.

 

Longínquo, como longínqua é a ideia de um Deus

Durante o desespero batendo nas grades da prisão.

  

Antônimo de alegria

 “quem vive como eu não morre: / acaba, murcha, desvegeta-se.” (Fernando Pessoa)

 

No subterrâneo não adianta sorrir

Porque as nossas presas de marfim

Jamais verão a luz do dia ou o sol.

 

Eu estive nas cavernas por muitos anos

E durante todo esse período nunca recebi

Uma visita que não fosse trazendo a comida.

 

No isolamento não adianta existir

Porque os nossos sonhos dourados

Jamais saberão o que é reciprocidade.

 

Eu estive nas prisões por muito tempo

E durante todos esses anos nunca recebi

Uma notícia que não fosse de morte na família.

 

Na escuridão não adianta insistir

Porque os nossos olhos arregalados

Jamais avançarão além da cortina sem cor.

 

Eu estive nos cemitérios desde a adolescência

E durante toda a minha vida nunca recebi

Uma nota que não fosse de pesar e esquecimento.

  

Do livro O jardim simultâneo (Editora Penalux, 2013). Pedidos de exemplares pelo e-mail coisasprobule@gmail.com. Preço: R$ 44,00, com frete incluso.