Ódio
Ódio de tudo:
de ti, de
mim, da
sombra no
asfalto, das
conversas
dos vizinhos
comendo
churrasco e
arrotando
bobagens,
dos barulhos
no telhado,
da televisão
ligada em
programas
de auditório,
dos ruídos que
vem das ruas,
do ambiente
de trabalho, das
necessidades
fisiológicas dos
governantes, da
inteligência
pedindo
esmolas
aos agiotas,
dos restaurantes
abarrotados
(que raiva das
pessoas perfi-
ladas mastigando
qualquer carne),
ódio de tudo
e de todos,
neste momento
em que faço
uma análise
antes de deitar
o meu cansaço.
Home
Sweet Home
Pensei enumerar aqui
todos os meus endereços:
as ruas, as casas, os bairros
o sítio e as cidades mineiras.
Prédios, altos e baixos, áreas
de escape, espaços, córner neutro;
as lojas, os quintais, os bares
e todos os locais de trabalho
que eu frequentei sem estar ali.
Mas já não me lembrava de
muitos deles – andei tanto e
não saí do estágio em que nasci.
Prefixos de telefones, mapas,
placas de carro, janelas, chaves,
portas, armários, quartos fechados,
as camas e os colchões onde dormi.
Vivi a minha vida sempre assim:
entre quatro paredes pintadas
ora de verde, de branco, de rosa
e infinidades de cores e situações.
Nunca me encontrei em nenhum
desses lugares e o meu lar
não existe sequer em mim.
Maria
O céu desaba sobre mim
com sua cara de fogo
e nuvens de cores,
num movimento frenético
no compasso do amor.
Quando terminarmos
e o sol e a lua e as estrelas
forem embora nas alturas,
eu voltarei a ser noite
ou terei incorporado luzes
suficientes para esperar
até a próxima vez?!
Do livro ‘Uma
Escada que Deságua no Silêncio’ (Multifoco, 2009), esgotado.