27 de set. de 2020

Mas

Por Glênio Cabral

O “mas” é uma conjunção adversativa usada para indicar sentido de contrário e oposição. Por isso ela é chamada de adversativa, já que bate de frente com muita coisa. E graças aos céus pelo “mas”!

É por causa dele que muita gente ainda não enlouqueceu nessa vida. Duvida? Então preste atenção nos exemplos abaixo:   

 “Sei que as coisas não estão boas, mas vão melhorar!”

“O lutador apanhou muito, mas no final venceu.”

Eis que o “mas” vai virando o jogo, vai dando um final feliz a frases que começaram desanimadas, decadentes até. No primeiro exemplo, “as coisas não estão boas” até o “mas” entrar em cena e dar um novo final à situação, um triunfante “mas vão melhorar”. O mesmo acontece no segundo exemplo, quando a conjunção interfere numa luta e leva um boxista a uma improvável vitória.

Nocaute da conjunção!

É verdade que o “mas”, por si só, não resolve as mazelas do mundo. Quando ele surge no meio da frase o problema ainda está lá, insistente, recusando-se a sair. E isso acontece porque não é seu aparecimento que anula o caos, mas o que ele provoca nas pessoas.

E o que o “mas” provoca nas pessoas? Esperança, talvez. Alguém encharcado de “mas” pode se tornar uma conjunção adversativa humana, fazendo-se oposição a toda e qualquer dificuldade. E a vida, que começou trágica, prossegue otimista.    

As grandes revoluções sempre foram lideradas por pessoas impregnadas de “mas”. Pessoas que, assim como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e tantos outros, acreditaram que era possível encarar o caos à sua volta e dizer: “Os tempos são maus, mas há uma chance”.

E porque permitiram que o “mas” fosse o principal protagonista em seus desejos de vida, entraram para a história como verdadeiros heróis da resistência.

Como conjunções adversativas de mãos, pernas, olhos e sonhos.    

Bendita conjunção, essa. Mas ela pode ser maldita também, tudo depende da forma como é usada. 

Vejamos outros exemplos:  

 “Desista de estudar. Ano passado eu me matei nos livros, mas me dei mal.”

“A seleção está melhorando, mas não vai muito longe não.”

Essas frases começaram até bem, mas foram destroçadas pelo uso implosivo do “mas”. Em casos assim, o “mas” é reduzido a uma conjunção mórbida, uma espécie de coveiro gramatical que enterra sem dó nem piedade expectativas, esperanças e projetos. Repare que ele continua sendo uma conjunção adversativa, só que agora anda de mãos dadas com a própria calamidade.

E assim não há frase que prossiga firme.        

Por isso é preciso saber usar esta conjunção. Ela é uma arma poderosa demais para andar em mãos, ou melhor, em bocas e canetas erradas. Não estamos falando de um vocábulo qualquer, mas de três letras que, quando juntas, interferem diretamente no continuar ou desistir, em ter fé ou entregar-se ao desespero, até mesmo em viver ou morrer.     

Sempre achei que uma coisa assim não deveria estar disponível nas gramáticas. Isso é o mesmo que vender granada em mercearia. Esta conjunção deveria estar trancada a sete chaves dentro de um cofre de segurança máxima, acessível a poucos, a quase ninguém.

Mas...