Módulo 3: Tenha consciência do efeito pretendido com seu texto
Por Rogers Silva
A verdade é uma só: quase nenhum escritor reflete sobre o efeito que quer causar em seu leitor (em potencial). Sabe por quê? Porque poucos escritores conjeturam sobre quem são seus leitores em potencial. Aí, não tendo a mínima ideia de quem é seu público-alvo (ou quem quer como leitor), fica difícil refletir sobre o objetivo do texto (literário) a ser escrito. Uma coisa possui estreita relação com a outra, embora possam ser pensadas separadamente. É o que farei.
Qualquer escritor, sobretudo quando começa a escrever, quer ser o novo gênio da literatura do seu país. Com o tempo, essa ideia vai se desvanecendo (ainda bem). Não há mal nenhum em querer ser um gênio, mas não é tão fácil como alguns imaginam. Há muitos fatores envolvidos (psicológicos, sociais, econômicos, geográficos), sobre os quais não vamos discutir aqui. Deixando essa ideia pretensiosa de lado, ter consciência sobre o efeito que quer causar com sua literatura é de extrema importância, embora possa não parecer.
Afinal, você quer, com sua literatura, incomodar? Quem? Botar o dedo no meio das feridas sociais do país? Quais? Conscientizar o seu leitor? Ou prefere discutir – direta ou indiretamente – sobre temas universais, válidos para qualquer ser humano? Quer apenas emocionar (o que não é nenhum pouco fácil através das palavras...)? Ou quer apenas entreter o seu leitor? É disso que estou falando. Consciente ou inconscientemente, algo você quer com sua literatura. E é importante refletir sobre a questão, mesmo que você não pense – pelo menos não no início da sua carreira literária – sobre quem é o público-alvo dos seus textos. Pode ser que uma reflexão leve, espontaneamente, à outra... Não é necessário forçar relações de causa e efeito.
Ah, mas eu preciso escolher apenas um objetivo com meu texto literário? É claro que não! Mas conseguir incomodar, botar o dedo nas feridas, conscientizar o leitor, discutir temas universais, emocionar, entreter e brincar com as palavras, tudo ao mesmo tempo, é dificílimo. Pouquíssimos escritores conseguiram. Muitos gênios, inclusive, não alcançaram (às vezes nem quiseram alcançar) esse feito. Partamos do pressuposto que você quer – mesmo que não consiga explicar exatamente por quais motivos – apenas emocionar e entreter o seu leitor com a sua literatura, caro escritor. Não é tarefa fácil, mas ter a consciência do(s) efeito(s) pretendido(s) com seu texto literário já é um ponto de partida importantíssimo.
Exemplifiquemos: quem mais consome literatura de entretenimento? Leitores de qual faixa etária? Quem mais gosta do tipo de literatura que emociona? Homem ou mulher? Veja que uma questão automaticamente suscitou outras perguntas. É possível entreter com uma literatura hermética? É possível emocionar com uma literatura extremamente metafórica? Embora nem todas as perguntas sejam facilmente respondíveis, não custa nada pesquisar e ler autores/textos/matérias ou assistir a vídeos que discutem as questões levantadas por suas reflexões. Isso vai te ajudar bastante.
Se você quer, com sua literatura, entreter o seu leitor, prendê-lo do início ao fim, é preferível uma linguagem clara, direta, rápida ou uma linguagem rebuscada e/ou técnica? A meu ver, uma linguagem clara e direta, sem rodeios e sem floreios. Se você quer, além de entreter, também emocionar o seu leitor, que tipos de personagens e tramas são mais adequadas? Personagens rasos ou complexos? Tramas sem ou com clímax? Clímax claro ou vago? Não vou respondê-las, mas reflita sobre essas questões tendo em vista sua escolha em criar histórias que comovem/emocionam.
Percebe que essa questão (efeito pretendido) traz em seu bojo as discussões dos módulos anteriores e posteriores (sobre a linguagem, o estilo, a construção da trama e dos personagens)? Para um efeito x, uma linguagem específica. Para um efeito y, outro tipo de personagem. E para um efeito x + y, mais elaboração do texto. Se, com uma narrativa curta, pretende fazer seu leitor rir, é necessária uma linguagem direta, clara, talvez coloquial, similar à das piadas. Quanto aos personagens, é preferível os tipos (personagens típicos, normalmente identificados por um traço distintivo relacionado à profissão, comportamento, origem, classe social, opção ideológica, etc.) e as caricaturas (cujos traços são propositalmente acentuados) do que os personagens redondos (complexos). Quanto à trama, sugere-se um desfecho com surpresa do que um desfecho com final aberto, por exemplo.
Você, obviamente, não precisa criar um plano para todo texto narrativo (microconto, conto, novela ou romance) que queira escrever, embora essa não seja – de todo – uma má ideia. No entanto, refletir sobre o efeito que quer causar com o texto suscita algumas questões que norteiam a construção da sua narrativa quanto à linguagem e aos recursos a serem utilizados, aos personagens, à trama, etc. Esse norte pode, por sua vez, possibilitar uma escrita mais consciente e, em consequência, uma narrativa mais bem acabada. E não é esse o objetivo final a que todos os escritores aspiram?
Apêndice:
Sugestões de leitura
(pessoalíssimas) quanto aos efeitos causados pela obra:
· Que faz o leitor refletir sobre a falta de sentido das (rel)ações humanas: A lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho.
· Que faz o leitor gargalhar: As mentiras que os homens contam, de Luis Fernando Verissimo.
· Que faz o leitor refletir sobre o destino do ser humano: Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.
· Que faz o leitor chorar: Memorial do Convento, de José Saramago.
· Que prende o leitor do começo ao fim: O Código Da Vinci, de Dan Brown.
· Que faz o leitor soltar alguns sorrisos amarelos: Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
· Que intriga o leitor: Dom Casmurro, de Machado de Assis.
* Confira, no próximo dia 28 de agosto, o módulo 4 desta web-oficina.
** Para aprofundar nessas e em outras questões, realize o curso completo (imagem abaixo). Para ter acesso ao programa, pode pedi-lo pelo e-mail coisasprobule@gmail.com (Assunto: Web-oficina) ou clicar na imagem abaixo.