Do que não guardaríamos (I)
"I will show you fear in a handful
of dust" (T. S. Eliot)
O momento de dizer,
libertar o mar, o voo
veio e partiu tantas vezes
As palavras gangrenando
antes que tomassem o ar
enterradas contra o vento
mudas nas veias abertas
da terra
Conveio o silêncio?
O risco de ouvir o não
contornado?
Nenhum poema uísque
ópio ou comprimido
abriu um século ou outro
Estávamos resguardados
convalescendo da inanição e cegos
às salas propícias às penumbras
aos indícios
A espera nos salvou da vida
: todas as vezes, voltamos sem ir
Não fomos
nada.
Carma
Quando perdia o sono, pensava
no revoo de pássaros africanos
O tempo foi mais, vieram os saltos
e quedas, erupções, a invasão
e o retrocesso das águas
Os cardumes alados se foram
deixaram vazia a savana
a noite vazia, branca a insônia
Com a vigília herdada
atrapalho-me, perco os pés e as mãos
volto ao amorfo, um corpo inumano
Apenas ideia, salvo-me da ira dos predadores
(perplexos diante da improvável aparência)
Crio raízes, cresço vegetal sem seiva
(a traqueia anaeróbica, um vaso lenhoso)
escondo-me em essência no ventre de planta
(antes, era úmida essa planície
era promessa todo verbo)
Mas vício ainda e no entanto, resta a marca
de nascença: naquela terra de amor e cio
cairei pouco a pouco, amor e cio
embora, até a última folha
desta árvore.
Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Há mais de duas décadas, mora em
Brasília. Em 2012, publicou o livro de poemas Incompleto Movimento (José Olympio Editora). Escreve em Nóstres. E-mail: albertolbresciani@gmail.com.