13 de fev. de 2012

O humor na gaiolinha literária - Malagueta # 22

Por Marcia Barbieri 

Semana passada, entrei um pouco atrasada no trabalho, tentei me sentar sem ser notada, percebi que estava atrás de um novo colega, ele virou, me cumprimentou e piscou várias vezes durante a reunião, me senti constrangida, afinal, achei muita ousadia, era a primeira vez que nos víamos. No outro dia nos encontramos no café, junto com outros colegas, só então percebi que o meu novo amigo sofria de um tique nervoso. Comecei a rir sozinha e pensei, um dia ainda vou escrever uma história engraçada. Logo depois desisti, a verdade é que escritores precisam provar o tempo todo que são devidamente sérios, tristes e levam uma vida trágica, não podemos agir como bobos da corte, isso me recorda os anões pintados por Velásquez, ele percebeu o quanto o cômico e o trágico viviam em comunhão na face daqueles pequenos homens.
O assunto não me saiu da cabeça, o humor presente na literatura. Enquadrar os livros que tratam assuntos sérios com humor como um gênero menor é no mínimo irresponsável. Recordemos da maestria de Cervantes, Quixote sendo destruído pelos moinhos gigantes, nunca ri e chorei tanto ao mesmo tempo. O sonhador sendo destruído pelo tempo. A mesma comicidade triste senti ao ler “O duplo” de Dostoievsky e “A consciência de Zeno” de Italo Svevo. É preciso ser genial para ser cômico. A amargura pura, sem mistura é própria dos covardes, dos que se sentem inseguros em relação à sua obra. Nietzsche já afirmava: “A sabedoria vos quer zombeteiros”.
No entanto, “escritores sérios” excluem os zombeteiros. Cortázar, entre outros, também falou sobre tal exclusão: “Só se aceita o humor em sua estrita gaiolinha, e nada de piar enquanto a sinfônica está tocando senão o deixamos sem alpiste para aprender.”.
Escritores de terno e gravata exigem conteúdo, citações inteligentes e de alto nível. Não é tarefa árdua verificar a quantidade de “versículos” nas redes sociais, postar ou compartilhar trechos duvidosos o colocará fora da nata, fora da roda dos grandes intelectuais. Eles são sérios, levam a vida a ferro e fogo e não riem jamais para não perder o tom. Você também não deve sair por aí citando qualquer escritor, a literatura também respeita a moda. E não esqueçam, todos são politicamente corretos, indignados com a fome, a miséria, a corrupção. E o que eles fazem para mudar tal situação? Nada, sentam seus traseiros na cadeira e postam seus escritos engajados. Será que são tão megalomaníacos que imaginam mudar algo com isso?
Esses mesmos escritores politicamente corretos não abrem seu círculo de amizades literárias, ninguém entra, ninguém sai. Não vejo seriedade em uma literatura de conchavos, não se julgam obras literárias e sim escritores. E esse não é um mal apenas do nosso tempo nem privilégio do nosso país. E os livros¿ Bem, isso é um assunto menor, eu diria um assunto cômico.
Os escritores que não têm uma vida trágica tratam logo de inventar uma autobiografia, não pega bem uma vida ordinária.  Novamente cito Cortázar: “Por que diacho há uma espécie de “muro da verdade” entre a nossa vida e a nossa literatura? Na hora de começar a trabalhar num conto ou num romance, o escritor comum bota o colarinho duro e sobe para o topo do armário.” Temos que lutar por uma literatura mais sincera, mais natural, sem máscaras. Para que forçar o choro, o desmaio? Prefiro a convulsão das risadas. Nada mais tragicômico que a vida.
Mas parece que em todos os tempos a literatura de carranca é mais respeitada. Velemos o cômico. Foi decretada a morte do humor, não há lugar na alta literatura para os engraçadinhos. Já que não há nada a fazer que tal dançarmos juntos um tango argentino?