Por Marcia Barbieri
Semana passada, entrei um
pouco atrasada no trabalho, tentei me sentar sem ser notada, percebi que estava
atrás de um novo colega, ele virou, me cumprimentou e piscou várias vezes
durante a reunião, me senti constrangida, afinal, achei muita ousadia, era a
primeira vez que nos víamos. No outro dia nos encontramos no café, junto com
outros colegas, só então percebi que o meu novo amigo sofria de um tique
nervoso. Comecei a rir sozinha e pensei, um dia ainda vou escrever uma história
engraçada. Logo depois desisti, a verdade é que escritores precisam provar o
tempo todo que são devidamente sérios, tristes e levam uma vida trágica, não
podemos agir como bobos da corte, isso me recorda os anões pintados por Velásquez,
ele percebeu o quanto o cômico e o trágico viviam em comunhão na face daqueles
pequenos homens.
O assunto não me saiu da
cabeça, o humor presente na literatura. Enquadrar os livros que tratam assuntos
sérios com humor como um gênero menor é no mínimo irresponsável. Recordemos da
maestria de Cervantes, Quixote sendo destruído pelos moinhos gigantes, nunca ri
e chorei tanto ao mesmo tempo. O sonhador sendo destruído pelo tempo. A mesma
comicidade triste senti ao ler “O duplo” de Dostoievsky e “A consciência de
Zeno” de Italo Svevo. É preciso ser genial para ser cômico. A amargura pura,
sem mistura é própria dos covardes, dos que se sentem inseguros em relação à
sua obra. Nietzsche já afirmava: “A sabedoria vos quer zombeteiros”.
No entanto, “escritores
sérios” excluem os zombeteiros. Cortázar, entre outros, também falou sobre tal
exclusão: “Só se aceita o humor em sua estrita gaiolinha, e nada de piar
enquanto a sinfônica está tocando senão o deixamos sem alpiste para aprender.”.
Escritores de terno e
gravata exigem conteúdo, citações inteligentes e de alto nível. Não é tarefa
árdua verificar a quantidade de “versículos” nas redes sociais, postar ou compartilhar
trechos duvidosos o colocará fora da nata, fora da roda dos grandes
intelectuais. Eles são sérios, levam a vida a ferro e fogo e não riem jamais
para não perder o tom. Você também não deve sair por aí citando qualquer
escritor, a literatura também respeita a moda. E não esqueçam, todos são
politicamente corretos, indignados com a fome, a miséria, a corrupção. E o que
eles fazem para mudar tal situação? Nada, sentam seus traseiros na cadeira e postam
seus escritos engajados. Será que são tão megalomaníacos que imaginam mudar
algo com isso?
Esses mesmos escritores
politicamente corretos não abrem seu círculo de amizades literárias, ninguém
entra, ninguém sai. Não vejo seriedade em uma literatura de conchavos, não se
julgam obras literárias e sim escritores. E esse não é um mal apenas do nosso
tempo nem privilégio do nosso país. E os livros¿ Bem, isso é um assunto menor,
eu diria um assunto cômico.
Os escritores que não têm
uma vida trágica tratam logo de inventar uma autobiografia, não pega bem uma
vida ordinária. Novamente cito Cortázar:
“Por que diacho há uma espécie de “muro da verdade” entre a nossa vida e a
nossa literatura? Na hora de começar a trabalhar num conto ou num romance, o
escritor comum bota o colarinho duro e sobe para o topo do armário.” Temos que
lutar por uma literatura mais sincera, mais natural, sem máscaras. Para que
forçar o choro, o desmaio? Prefiro a convulsão das risadas. Nada mais
tragicômico que a vida.
Mas parece que em todos
os tempos a literatura de carranca é mais respeitada. Velemos o cômico. Foi
decretada a morte do humor, não há lugar na alta literatura para os
engraçadinhos. Já que não há nada a fazer que tal dançarmos juntos um tango
argentino?