23 de dez. de 2011

Dois poemas de Sylvia Beirute


Diante do mundo

diante do mundo,
ele exclui a fuga possível, a numeração
das palavras
como soma da simplicidade. é impossível 
recordar
quando se ouve outra música.
(a distância é uma garrafa que tenho
na barriga.)
diante do mundo, ele procura o silêncio
dentro da legibilidade.
e os dias são os mesmos,
excepto a sua removabilidade,
excepto a susceptibilidade de podermos tirar
uma coisa e depois outra e outra
e outra.
daqui a pouco, diante do mundo,
direi o indizível
com as palavras que ele me tirou
(e que aparecem na minha garrafa)
e será ainda e sempre
diante do mundo, na nudez que o observa
igualmente.

Meia-noite em paris

meia-noite em paris.
a minha meia-noite em paris pretende alcançar
as asas do meu silêncio.
não reclama qualquer ferida alheia, não
ostenta o seu coração giratório.
há um pássaro que reconhece um 
momento menos sóbrio
e pousa, há uns olhos que permanecem
intactos e não olham.
é meia-noite em paris, ainda que a cidade
seja outra. e esta cidade é, de facto, outra.
o amor acende as luzes do medo.
as janelas do tempo recebem a ventania
que as sombras já não seguram.
há uma tristeza descoordenada nas imagens
dos espelhos que paris augura.
meia-noite em paris. a verdade 
é directamente arrancada do coração
e com ele.
 
Sylvia Beirute (Porto, 1984) é uma poetisa portuguesa. Escreveu o livro de poesia “Uma Prática para Desconserto” (4Águas, 2011). É a autora do blogue de literatura “Uma Casa em Beirute” (www.sylviabeirute.blogspot.com).