Por Marcia Barbieri
É madrugada até o lugar aonde a vista alcança. No quarto iluminado pelos faróis dos carros que passam pela avenida a presença devoradora de uma cadeira, um homem, uma rachadura que começa na laje e termina perto do chão. Ecos de cavalos trotando, cheiro de perfume, saltos de mulher, jazz talvez.
(A voz de um homem velho)
Toda fratura começa no lugar em que a carne é vasta. As fibras são rompidas com facilidade. A bacia se destroçando entre o oco da vagina e o vácuo da solidão. Muitos filhos se perderam pelo caminho. A pélvis se movimenta como num passo de tango. Falos despencam de mim. Sou um criadouro. Me regenero. As pessoas se perdem na busca desesperada de coerência, verossimilhança. O homem é um personagem que não me convence. O sexo cheira a merda. Mictórios públicos. Comemos o outro na intenção de expandir, possuir um espaço diverso. Acordamos mancos. Os ossos se despedaçam numa tentativa de retorno às suas origens primitivas. Um gosto de cárie permeia toda minha boca, paralisa minha língua. Débeis. Toda punheta é mítica. Uma negação. Imagino as vértebras das mulheres e dos homens que roçaram meu corpo no ônibus, no metrô, nas ruas movimentadas. Estalo uma a uma. Hérnias de disco me mantêm deitado horas e horas sobre o piso branco. Os pensamentos escapam. Uma mulher desconhecida entra no quarto. Estará armada?
(Um coral de grunhidos)
Velho burro! Não é desconhecida a mulher ao seu lado. Não está armada, embora depois de trinta anos te aturando tenha motivos de sobra para atirar
(A voz de um homem velho)
Não tive tempo para inutilidades. Sou um filho da puta em busca do esperma da palavra e ela se faz santa, útero estéril antes da criação do verbo. O osso branco do meu fêmur jamais calcificou.